segunda-feira, 8 de junho de 2009

O MUNDO QUE JAMES CAMERON CRIOU


O Exterminador do Futuro: A Salvação (Terminator Salvation, EUA, 2009) representou antes de tudo um grande desafio para os criadores e para os admiradores da franquia. James Cameron era o padrão qualitativo a ser seguido - e praticamente impossível de ser alcançado, seja no âmbito artístico ou pelos valores nostálgicos, sempre atrelados. Ao mesmo tempo, oferecer uma continuidade relevante à mitologia é pisar em campo minado. Primeiro, por se desfazer de todas as convenções caras ao terminatorverse, considerando que nos três filmes anteriores a premissa básica era a mesma. Sem mais das elocubrações espaço-temporais e do tenso jogo de gato-e-rato, o alvo agora era a guerra do futuro. Depois, porque o Exterminador original já tem 25 anos, e a nova produção explora um cenário já visitado por incontáveis imitações desde então (trilogia Matrix inclusa). E finalmente, o público, essa incógnita ranhenta, teria que aceitar o novo perfil da série, nesse primeiro momento capitaneado por um abacaxi de três letras: McG.

Joseph McGinty Nichol é o homem dos estúdios para produtos pop de massa. É, basicamente, um produtor. Competente nesse negócio, diga-se. Emplacou vários hits, de As Panteras e The O.C. às Pussycat Dolls e Chuck. Produz Supernatural desde sempre, o que me faz (infeliz e) automaticamente parte de seu público. É um profissional multimídia bem-sucedido num mercado ultracompetitivo, background compartilhado por seu camarada J.J. Abrams, que deu show pra quem quis ver no novo Star Trek. Então, o que fez exatamente de McG uma aposta arriscada? Fora o pré-conceito, não muito.

Mas não fui exceção. Ao mesmo tempo em que achava promissora a escalação de Christian Bale, ainda hiperexposto via Cavaleiro das Trevas, queria enviar pela máquina do tempo o T-800, o T-1000, a T-X e até o Keruak no encalço do McG antes que ele gritasse "ação". Reclamações? Ah, eu tinha muitas. Desde o apelidinho metido a besta até o tenebroso roteiro vazado, passando pela evidência séria de uma absoluta falta de controle no set (pelo menos, foi engraçado) e pelos péssimos agouros que desciam Olimpo abaixo. Sem falar em sua afinidade com uma certa "atitude pop" que sempre caracterizou sua filmografia. Dificilmente eu poderia estar enganado.

Mas estava. McG fez um filmão - e a única atitude aqui está mais pra "War Ensemble", do Slayer, que pra pop. Salve Ares. Só que o jogo foi decidido apenas aos quarenta e cinco do segundo tempo, quando vi quase tudo indo pelo ralo num pênalti absolutamente desnecessário.


O início do filme se passa em 2003, introduzindo o personagem Marcus Wright (Sam Worthington), que está no corredor da morte, e a Dra. Serena Kogan (Helena Bonham Carter), da Cyberdyne Systems, que tenta convencê-lo a doar seu corpo para pesquisas médicas. A partir daí, a história segue a cronologia sugerida desde o final de A Rebelião das Máquinas: um ano depois, o sistema de defesa militar Skynet torna-se autoconsciente e começa uma guerra nuclear - ou, no clima da série, o Dia do Julgamento Final. A humanidade é quase extinta. Estamos agora em 2018 e John Connor (Bale) lidera um ataque da Resistência contra uma base subterrânea da Skynet. No local, eles encontram esquemas de uma nova linha de exterminadores que se utilizam de tecido vivo (o T-800 dos dois primeiros filmes), além de outras experiências com seres humanos - entre eles, Marcus, que desperta naquele mundo pós-apocalíptico sem lembrar de como foi parar ali.

Connor também descobre que os oficiais da Resistência planejam uma investida definitiva contra as máquinas. E que ele e um jovem desconhecido chamado Kyle Reese (Anton Yelchin) encabeçam a lista negra da Skynet.

Se McG já tinha antecedentes artisticamente irregulares, quem dirá a dupla de roteiristas John D. Brancato e Michael Ferris. Felizmente, com o roteiro reescrito mais tarde por Jonathan Nolan (não creditado), a cota de diálogos ruins se manteve num nível aceitável e melhorados pelo bom desempenho do elenco. Mesmo o infame "agora eu sei o gosto da morte", dito por Worthington, soa plausível no contexto. E a ligação dos eventos é razoavelmente bem amarrada, dada à quantidade de subtramas se cruzando - o dilema pessoal de Connor com relação à sobrevivência de seu pai se contrapondo ao ataque iminente da Resistência à Skynet é a mais interessante. Poderia até ser melhor desenvolvida, pois há muito pano pra manga aí. Quem já assistiu a série 24 sabe a que um ponto um herói pode chegar jogando contra a camisa.

Também digno de nota é o perfil atual do "messias" Connor, com rompantes semi-paranóicos, complexo de perseguição e obsessão pelo futuro imediato. Embora eu tenha sentido falta do humor de outrora, imagino que seja natural que ele, agora um soldado forjado no campo de batalha, tenha perdido muito de sua jovialidade. Essa sensação é maximizada pelo tom sempre raivoso de Bale, aqui numa performance um tanto... mecânica. Soou unidimensional demais e carismático de menos, assim como a bela Bryce Dallas Howard, no papel de uma grávida Kate Connor, por motivos terceiros. A atriz faz o que pode para dramatizar um relacionamento tão profundo num espaço tão reduzido.

Já Kyle Reese, talvez o personagem mais importante a longo prazo, esteve nas boas mãos do russo Anton Yelchin. Com sensibilidade, conferiu um perfeito mix de inocência, coragem e idealismo consagrados pela atuação original de Michael Biehn. Era o parâmetro que eu precisava: o Chekov, do Star Trek 2009, é um ator talentoso e promissor.


A grande surpresa fica por conta da atuação sólida e decidida de Sam Worthington, que está em todas ultimamente. Com um personagem que é peça-chave na trama, ele supera as pendengas conspiratórias envolvendo a Skynet e alguns traumas de seu passado misterioso ao melhor estilo America Vídeo. Muito mais wolverinesque que Wolverine. A cena em que ele surra um bando de renegados soa bastante visceral (num excelente trampo da edição de som), atingindo um efeito muito superior às pancadarias biônicas mais pra frente. E além de fluir muito bem em tela, consegue uma boa química tanto com a deliciosa Moon Bloodgood (sangue-bão até no sobrenome), quanto com a dupla Kyle Reese e Star (Jadagrace Berry), a menininha mais durona do cinema desde Newt, de Aliens, o Resgate. E falando em resgate, foi memorável a participação do veterano Michael Ironside, como o General Ashdown. Pena que foi tão curta.

A estética do filme é um primor tétrico pós-guerra. A fotografia árida e cinzenta do que restou das cidades é desoladora e reforça não só a natureza mortificante da paisagem, como também a sensação de perigo constante. E não é pra menos: as ruínas são patrulhadas por hunter killers aéreos e por arrepiantes exterminadores T-600. Lentos, trôpegos e pesadões, eles são monstruosidades mal camufladas com farrapos e máscara de borracha - mais primitivos que eles, só os robôs ABC, de Judge Dredd. São confundidos com seres humanos apenas de longe, o que rende uma cena ótima com Marcus. Não vou negar que achei o T-600 particularmente bacanudo. Eles parecem zumbis!

As novas máquinas têm um design diferenciado dependendo da função. Sendo assim, o Harvester gigantesco tem sua razão de ser, trabalhando em conjunto com as naves de transporte. As Mototerminators fornecem bons ganchos para sequências de ação desenfreada e, por isso mesmo, confesso que esperava mais. Já os Hydrobots não são mais que refugos do Scorponok - aí sim, procedendo uma comparação com os Bayformers.

Por último, revemos os jurássicos T-1, do filme anterior, com design levemente modificado guardando os campos de concentração da Skynet.


Os campos de morte, por sinal, são uma visão do inferno - ou de uma realidade distante há apenas sessenta anos atrás. Citados por Reese no primeiro filme, acabaram perdendo aí uma ótima deixa para autoreferência. Seria o período em que Reese passou escravizado recolhendo corpos e quando recebeu a marca de identificação a laser. Mesmo assim, citações ao passado da franquia não faltam aqui. Estão lá o eterno hit dos gunners (na boa companhia de "Rooster", do Alice in Chains), as taglines clássicas da série, a origem da scarface de Connor, a cena do retrato de Sarah e até reedições visuais, como um exterminador cortado ao meio tentando matar Connor e o T-800 subindo lentamente os degraus de uma escada.

T-800, aliás, paramentado com a face digitalizada do próprio Schwarza, num dos resultados em CG mais bizarros que eu já vi. Mas aí não tenho certeza se a culpa é da qualidade dos efeitos ou da carranca ogra do Governator.

O respeito de McG pelo legado de Cameron é latente. Pura reverência, em muitos momentos até exagerada. Sem menosprezar o timing dos acontecimentos, capturou com inteligência as particularidades daquela guerra ainda em seu estágio inicial, sem a profusão de lasers ou exterminadores de metal líquido. A Salvação ainda trilha a estrada da ação e da ficção-científica, recorrentes na série, mas vai além e finalmente a inicia no gênero da guerra, talvez sua verdadeira vocação desde o início.

■ spoiler

Porém, quase pôs tudo a perder na reta final. Aquela punhalada que John Connor leva do T-800 doeu mais em mim que no salvador da humanidade. A cena já constava no roteiro original, sendo concluída com o cyborg Marcus "adotando" a pele de Connor e assumindo sua identidade no intuito de manter a lenda viva. De lascar.

Por providência divina, esse script vazou na web e a Warner Bros., num raro espasmo de lucidez, decidiu alterar o final. Do jeito que ficou, achei ótimo.

Viva a Internet-Skynet.


■ /spoiler

McG realizou a guerra de James Cameron. Guerra que ele evitou por anos e que eu sempre quis ver desde o primeiro filme. O destino pode ser até irônico, mas geralmente cumpre o que promete. Que continue inevitável com filmes assim.


Na trilha: "Let's Start a War", The Exploited.

15 comentários:

JoaoFPR disse...

Doggma, fui nesse sábado ver o filme.
Como fã da franquia achei do caralho!
Claro, como fã do cinema e da lógica tem uma quantidade grande de furos de roteiro.
Um pequeno exemplo que não vai comprometer quem leia:

SPOILER
Quando o Harvester, chega, em meio ao deserto, como é que não o ouve?!
Se a cena fosse em meio as ruínas da cidade, poderíamos considerar, já que há desmoronamentos constantes.

E achei muito desnecessário algumas coisas, mais por coerência.
Convenhamos fazer um agente adormecido, como Marcus me parece muito mais complicado do que um T-800, que estava arressem na prancheta.

A versão virtual da Skynet, explicando algo para seu "filho", é uma máquina, não precisa se explicar!

samurai disse...

Tava esperando a conclusão do post para poder falar alguma coisa. O engraçado é que vc ja disse tudo Até a piadinha que pensei no vendo os creditos finais com a Lua Sangue Bom.
No mais. Achei o Reese-Chekov MegaFodastico (como diria um certo capitao).
Uma pergunta. Por que diabos uma vez que identificaram Reese não o mataram logo? Ou ainda naquele lance de viagem no tempo se tem algum sentido eles ja saberem (dentro daquele tempo) que Reese seria o pai do connor ? NAo sei se me fiz entender.
No mais, excelente post com detalhes que deixam o filme muito mais interessante
Abraços
Alessandro

Led disse...

apesar de alguns furos e incoerencias, gostei. mas quase q o caldo entorna no final.
destaque para o russo e para o Worthington, otimas interpretacoes.
gostei do seu review.
abç

QUEIROZ falando Spoilers disse...

Muito aquém do que eu esperava. O momento das motos saindo das pernas do robô gigante, foi o momento agora vai!, mas não foi, e o "I'll be back", foi o momento agora chega de levar a sério esse filme. Os 3 filmes anteriores sempre conseguiam terminar(olha o trocadilho), e forma emocionante, nesse, foi um whatever, sem noção a última frase do John Connor. Se fosse um piloto de série até ia, melhor que Sarah Connor Chronicles, realmente é, mas ñão é série, é longa metragem!!! Aliais, que nome repetido tantas vezes é JOhn Connor, me lembrou o Hannibal. A menininha muda estava ali não sei muito bem pq, alguma referencia, por assim dizer? OU é mais um cirborge infiltrado, será? E porque T 800, se a Skynet é capaz de criar um Marcus? Bastava clonar. Olha no ranking piores do Ano: 1.° Wolverine, 2.° Spirit e em 3.° Ext.do Futuro: A Salvação. Realmente concordo com a frase do cartaz. O fim começa.

KK disse...

Quanto tempo não entro aqui, percebo que ainda e nunca perderá a mão. Saudades! Beijos!!

PS: Ainda não tive coragem de ver Exterminador, estou altamente com o pé atrás.

doggma disse...

JFRP - SpOiLeRs - fala, cara! A questão do Harvester: certíssimo. A favor do McG, esse é um antigo clichê de Hollywood, tipo o T.Rex surgindo do nada e salvando os heróis no final de Jurassic Park.

O Marcus, pelo que entendi, foi "cibernetizado" pelo pessoal da Cyberdyne Systems, não pela Skynet. Pelo menos, era o logo da CS naquele documento que ele assinou. Isso justificaria a Skynet explicando tudo mastigadinho pro "filhinho adotivo" - e justificaria também a existência de monitores e displays numa zona 100% robótica!

Samurai Alessandro, também reparei nisso. Furo, sim. Skynet nunca poderia colocar o Kyle Reese no topo dos mais procurados. Como diabos ela saberia que o anônimo Reese tinha importância fundamental para John (quiçá, seu pai)? Nessa linha temporal só o John e Kate saberiam quem ele era. A não ser que, via espionagem, ela soubesse que John o procurava pelo mundo devastado. Reese seria só uma isca mesmo. Sei não... :)

SpOiLeRs, fim dos

Valeu, Led. Abraço, cara.

Queiroz(falandoSpoilers), perdeu a grana do ingresso, hein meu chapa! :P

KKaaaaaaa!! Surgida das cinzas, menina! Saudades! Mas diz aí... sem mais aquela de odiar casais abraçados no cinema, né? :D

Chico disse...

falae dogg!
cara, acabei de ver o filme (confesso que tava meio de corpo mole e só ganhei um empurrão mesmo por causa desse tua sequencia de textos).

curti o filme. achei massa o kyle reese quase morrendo várias vezes (tipo aquela cena da perseguição na estrada) de graça. o john connor não deu tanta margem quando era mais jovem por saber a importancia dele. o reese, por nao saber, dava margem pacas e podia acabar com toda a franquia da série.

SPOILER
achei bacana o marcus ser pro reese, o que schwaza foi pro connor.

curti a vibe futuro hardcore do filme, mas no final já achei um pouco cansativo.

e achei que o connor ia morrer, que cada filme da série teria um connor próprio, sendo no primeiro só menção a ele e no capitulo final, ele viria só como lembrança mesmo.

KK disse...

Hahaha, é verdade, mas ainda contra amassos. Vi hoje o filme e até achei bonzinho, também fui com a pior das perspectivas e até me surpreendi. Beijão!!

Bernardo disse...

Falando em Cameron, eu aqui continuo babando e tendo ataques de ansiedade à espera de Avatar. Enquanto isso essa versão publicitária de Terminator dá pra passar o tempo, mas a verdade é que depois que o mestre pulou fora não consigo deixar de ver esses dois últimos filmes como filhos bastardos da série.

Alcofa disse...

Dogg, não sei se tu conhece, mas vale a audição

Memorain : reduced to ashes

http://rapidshare.com/files/117155977/Memorain_-_Reduced_To_Ashes.rar

TOTALMENTE megadeth, inclusive o baterista, que é o Nick Menza em EXCELENTE forma!

samurai disse...

vc provavelmente ja deve ter visto isso:
http://www.youtube.com/watch?v=cD1Rrfc0y-M&feature=player_embedded.

Agora preciso me lembrar que o cidade fantasma é atualizado tb.
I'm ronnit james dio . who the hell are you..?
Sensacional

Abraços
Alessandro

Luwig disse...

Podes crer, badass é pouco. Ninguém melhor que o Woody pra viver tipos desse calibre.

A propósito, ele é a (minha) personificação definitiva do Mercenário.

Abração.

Sandro Cavallote disse...

Ah, cachorro... belo texto, mas esse ano não estamos chegando num acordo, hein? :)

Um filme vergonhoso, como eu disse lá no grupo, um season finalle de Sarah Connor Cocrônicles. Só o Reese e o Marcus valeram a pena. Cheguei a rir na "homenagem" axl do mcg. Vá ser preguiçoso assim na casa do caralho, roteirista maldito.

E concordo com um monte de coisa que foi dita aí em cima. Por que diabos não mataram o Reese qdo tiveram chance? Isso não é furo, é gangbang!

Só o Spock pra salvar esse ano por enquanto...

doggma disse...

Chico, sobre a 'vibe futuro hardcore' (que termo sensacional) a coisa tende a melhorar à medida que a Skynet for avançando. Assim espero, pelo menos. E sobre os seus "Connors de Schrödinger", esta sim seria uma idéia do caralho, embora totalmente alternativa ao escopo da série. Algo para um Aronofsky colocar as mãos e se refestelar nas probabilidades.

Bernardo, é exatamente o que penso também. São filhos bastardos. Mas foram estes filhos bastardos que a este velho amparou... :P

Alcofa! O Menza tá aê? Valeu, cara. Baixando...

Samurai, já tinha visto mesmo. Clip e som ótimos.

Fala, Luwig. Nunca pensei nessa conexão Harrelson/Bullseye. E realmente... Virou meu favorito agora também!

Cavallão!! 24 horas, Wolverine e agora T4... "Me Bizarro #1"... :-D

Marco disse...

Spoilers!
Galera, fui só eu quem ficou esperando um "Hasta la vista, baby" na hora que o JC (John Connor, não Jesus Cristo) manda o prédio da Skynet pro espaço??
/Spoilers...
Aproveitando a deixa, Doggma, sou fã do blackzombie, gosto muito das resenhas, parabéns pelo blog. Fica a dica de uma ficção excelente mas que não pintou oficialmente no Brasil, chamada Primer. Vale o download e cada minuto (e vão ser vários, pq a trama é complicada pra entender de primeira) gasto pra assistir.
Anyways, fico por aqui.
Um abraço,
Marco