segunda-feira, 16 de abril de 2012

I believe in miracles


Logo nas primeiras cenas, o final da 2ª temporada de The Walking Dead mostrou que ia economizar no suspense. E nem foi necessário tanto esforço criativo. A munição, farta, já estava lá, pegando poeira e vagando a esmo nas imediações da fazenda de Hershel. A sensação de redenção após tantos assuntos mal-acabados sendo eliminados com a velocidade de um maxilar fechando foi libertadora. A verdade é que a trajetória desta temporada foi sufocante e incômoda, no bom e no mau sentido. Foi bem sucedida, se a intenção era mexer com os brios do público - lembrando que todo bom filme (ou série) tem a obrigação mínima de largar o espectador num lugar diferente de onde o encontrou. É justamente o ponto onde suas qualidades se confundiram com suas deficiências. E no meio disso, um público exaurido.

O roteiro do season finale foi escrito pelos próprios Glen Mazzara e Robert Kirkman. Se divertiram, com certeza. Escancararam as comportas do foda-se e não foram nem um pouco prolixos: a história abre com um bando de zumbis sendo atraídos por um helicóptero sobrevoando a cidade e dali seguindo em direção ao interior. A turba vai engrossando suas fileiras à medida em que outros mortos-vivos vão instintivamente aderindo à marcha - ou à manada ("herd", no original). É a primeira vez na série em que um dos conceitos mais descaralhantes dos quadrinhos é colocado em prática.

Dali pra frente, a trama volta aos trilhos furiosa e sem escalas: adrenalina sempre no talo, um desabamento narrativo com som & fúria e gostinho de hora da verdade. Sacrifícios são impostos, decisões são tomadas, personagens tropeçam em seus próprios erros e o futuro está incerto novamente - sentimento refletido no olhar amargurado de Hershel ao abandonar sua fazenda engolida pelo caos. Ainda que essa retomada tenha o desespero como fio condutor, houve espaço para que uma suave brisa de esperança fosse inserida sem destoar do contexto.

Foi um trabalho muito bem realizado e um belo zombie-tale que fechou a temporada em alto nível desta vez. Devo ter reassistido umas três ou quatro vezes desde então e a força da história continua intacta, mesmo subtraída do elemento surpresa. Sem exagero: só não supera o episódio da première.


Não sei como os fãs die-hard dos quadrinhos enxergaram a construção de Rick nesta reta final. Na minha opinião, o personagem de Andrew Lincoln se tornou menos conciliador e mais badass que na HQ. Fora que antecipou alguns discursos e posições fascistóides que originalmente ele só teria mais tarde na cronologia. A estranheza foi meio inevitável na comparação - afinal, ele era um cara tão gente-boa e "sussa" -, porém contou com um background psicológico bastante sólido para tal. E nisso o crédito tem que ser dado a quem merece: não só o impecável Shane de Jon Bernthal, mas o roteiro de Mazzara e Evan Reilly para o episódio anterior, forneceram o prólogo perfeito para a conclusão. Isso inclui, principalmente, a alteração que tanto temi em relação aos últimos momentos de Shane com Rick e Carl.

Além de ter ficado bem mais crível (o moleque não ia estourar os miolos de sua figura paterna secundária, não ainda...), o confronto memorável da dupla Lincoln/Bernthal permanecerá gravado no cânone cinemático-televisivo até o apocalipse zumbi que assolará o mundo real num futuro próximo. Como várias vezes já aconteceu nesta série, essa foi mais uma mudança de adaptação que, se não superou o original, foi bem mais sensata que uma preguiçosa transposição per se.

O mesmo não se pode dizer dos demais personagens, já que todos andam na faixa. Existem alguns conflitos, mas numa escala de tensão que praticamente evapora perto de Rick e Shane. Andrea não parece (ou não teve tempo de) ter sido tão influenciada por Dale quanto deveria (e deveria?). Carol, ainda em auto-reconstrução, está a anos-luz de cometer todas as sandices que cometeu nos quadrinhos - paradoxalmente, agora, sem Sophia, é que ela poderia abrir os portões do inferno sem a menor dor na consciência. Maggie e Glenn estão ótimos arrancados da celulose direto para o celulóide. Atenção especial para Lauren Cohan, a atriz que interpreta a Maggie, que consegue expressar sua dor e confusão de forma quase palpável - algo que pode ser muito útil mais pra frente se o script não mudar o tom dos quadrinhos.

Daryl ficou um pouco apagado desde que desistiu de ser o renegado e resolveu se unir ao grupo, mas manteve o mesmo grau de importância para a trama. Foi dele o CSI Zombie que desvendou o assassinato de Randall e a armadilha de Shane.

O saldo das vítimas, aliás, foi bem modesto dadas as circunstâncias. Descontando Shane, Randall e Dale-ah-Dale!, foram devidamente deglutidos Jimmy e Patricia, que já se pareciam com snacks ambulantes desde suas primeiras aparições. Surpreendentemente, Beth sobreviveu e, pior, T-Dog, a ração para mortos-vivos mais teimosa a aparecer na tela desde que os primeiros desmortos saíram do Haiti para ganhar o mundo. Todos esses personagens juntos não fazem a metade da falta que fará o RV de Dale, agora reduzido a uma cantina para zumbis. Triste.


Lori parece ser um caso à parte. Muito bem caracterizada pela atriz Sarah Wayne Callies, na reta final da temporada a personagem veio se tornando, como direi... uma vaca. Acho que é ponto pacífico que chegar em Shane pra discutir relação àquela altura do campeonato (no episódio em que ele consertava o gerador) é pra lá de contraproducente. Não satisfeita, mais tarde, no mesmo episódio, ela diz ao marido que Shane é perigoso. Mas deixei em stand-by, processando as infos que poderiam decodificar a cabeça da mulher. O que se provou tarefa impossível na cena em que Rick confessa pra ela que matou Shane em legítima defesa. A reação de Lori? Repúdio.

Mas antes de cometer grosserias com essa autêntica profissional do baixo meretrício, penso que talvez esse seja o verniz ideal para uma personagem como ela. Ao contrário da HQ, onde Lori era insossa e dependente e mesmo assim protagonizou a cena mais forte entre tantas de The Walking Dead, a Lori da TV rescende antipatia e prepotência. Em suma, já deve estar em construção para chegar até aquele ponto tão controverso mostrado no gibi. Aposto no maniqueísmo dos roteiristas, afinal, para o senso comum ela tem que pagar por alguma coisa. No mais, a AMC podia abraçar o exemplo categórico da HBO no episódio de estreia desta 2ª temporada de Game of Thrones. O céu é o limite. E o inferno também.

Este 2º season finale de The Walking Dead foi bastante aclamado pela crítica e pelo público. E que público. Mas esse sucesso não deveria ser traduzido como uma sequência de decisões acertadas. Foi uma temporada problemática. Eventos externos influíram na trama de maneira efetiva - e continuarão influindo em tudo o que tiver relação com Dale. A primeira metade foi mal administrada e esticada quase ao limite do aceitável. Mais um pouco e eu já estaria comparando a fazenda de Hershel à ilha de Lost.

Contudo, não houve nada, nem de longe, que se comparasse ao CDC da primeira temporada. E, reitero, quando foi preciso, Glen Mazzara botou a cara a tapa, injetando emoção nos episódios que roteirizou (notadamente os dois últimos) e vertendo alterações arriscadas em releituras bastante decentes.

E sim, teve clareza e oportunismo para engendrar o timing da série até agora.


Mais ainda, soube guardar a cereja muito bem até o final. Se a impressão foi das melhores, fico imaginando como será uma temporada onde ele terá 100% de autonomia, nenhum problema de casting ou transição de showrunner.

E sem contar que terá em mãos o melhor arco da HQ...

Cotação do season finale:


Cotação da temporada:

9 comentários:

Raid disse...

Ansiava por esse texto doggma. Foi um grande episódio realmente, o discurso final do Rick, foi catártico. Todos esperavam por ele, foi todo construído aos poucos, incutindo questionamentos na cabeça de cada membro do grupo. Shane sendo o diabinho de ombro deles, enquanto Dale era o anjinho, e eles pendendo de um lado ao outro.

Por isso, talvez, aconteceu aquela revolta, injustificada, com relação ao segredo do Rick. Foi a gotinha que transbordou. Agora a famigerada reação da Lori, penso eu que ela queria a morte do Shane, até pediu isso ao Rick. Foi sempre se esforçando ao apoiar o marido. Mas num determinado momento ela percebe que talvez o Shane possa ser a escolha a ser feita. Ela chega e conversa com ele, demonstra um afeto que ele esperava, e inconscientemente (ou não) ela solta nas entrelinhas, de que o Rick apareceu e mudou as coisas entre eles, que ela não esperava aquela situação. Foi o estopim para o Shane perceber que, se não existisse Rick, existiria uma família pra ele. Ou seja, Lori pediu para o Rick se livrar do Shane, não conseguindo, "pede" pro Shane se livrar do Rick. E um tanto quanto interessante a cena com o Carl, a dúvida que colocam na nossa cabeça ao fazer o garoto levantar a arma antes do Shane "reviver". Pq ele faz isso, ele mira no pai? Ou não? O garoto ficou um bom tempo sem o pai, criado pelo Shane, toda a temporada demonstra que ele prefere e confia mais no Shane para contar seus segredos. Isso explica tamanha estupidez na cabeça do garoto, talvez.

E uma coisa curiosa que pensei, se tinha alguém que não sabia que a série era baseada em quadrinhos, depois de ver a Michonne, descobriu. Uma mulher de capuz, empunhando uma katana e levando dois zumbis sem braços para passear. Onde mais teria isso?

Quanto ao futuro, torço muito para a AMC abrir os cofres, essa série precisa disso

Mas, 5 zumbis para a temporada?!

doggma disse...

A cotação é por tiros na cabeça!

A impressão foi essa mesma. Que a Lori facilitou o confronto entre os dois, o vencedor seria o macho-alfa e pronto. Básico instinto. Há um processo de vilanização aí, que não sei se será mantido na próxima temporada.

E a cena com o Carl realmente teve uma tomada prolongada que sugeriu certa ambiguidade. Também achei na hora. Mas pela reação posterior dele, foi pra se certificar que estava mirando em quem devia mesmo. Não acho que ele tenha alguma animosidade com o Rick.

Poucos zumbis = pouca diversão...

Avalanche(Lance) disse...

Porra Dogma, tu devia fazer fitas com você narrando a série pq é melhor que a mesma.

Raid disse...

Só agora, com você falando, que percebi que é por tiros, que coisa. 3 é uma boa nota pra temporada mesmo.

Também acho isso do Carl, que ele não tenha mirado no pai. Foi mais pra viajar no que os produtores querem.

Vai comentar Game of Thrones?

Luwig disse...

Simplesmente não dá para ficar impassível com a grade de programação da AMC. É sério, acho que nem consigo contar nos dedos o número de ocasiões que algum capítulo de qualquer dos seriados do presente canal de TV a cabo mexeu comigo ao ponto de ficar divagando horas a fio sobre aquela façanha daquele personagem x ou y.

Com Breaking Bad, é para ficar impávido com o rumo cada vez mais sombrio que Walt White está tomando, sobremaneira no clímax do ano quatro (sublime!); quando partimos para Mad Men, perco horas do dia – sei lá, da semana? – só imaginando se um dia assistirei algo que supere dramaticamente o episódio ‘The Suitcase’ (S04E07); Jesus, quando olho pra trás e lembro-me do saudoso ‘Rubicon’, não passa uma sinapse sequer sem visualizar o sorriso maroto de John le Carré após ‘A Good Day's Work’ (S01E11); e se um dia fui muito feliz com Deadwood e o Sr. Swearengen*, hoje pelo menos tenho o Sr. Durant de ‘Hell on Wheels’ para aliviar a saudade; e ‘The Killing’? A despeito da qualidade irrepreensível do programa, desde ‘The Sopranos’ não via um anticlímax tão ingrato quanto.

Ao concluir seu segundo ano de “vida”, ‘The Walking Dead’ entrou com classe neste rol de notáveis da AMC.

E que venha a terceirona, com Merle Dixon, Michone, Philip "Governador" Blake e toda tensão que Kirkman construiu tão maravilhosamente nos quadrinhos naquele xadrez.

Luiz André disse...

Congratulações ao nosso companheiro Doggma por voltar a esta parada dominada por zumbis sanguessugas e tecer alguns breves e relevantes comentários para o evento zumbi dos últimos anos. É interessante perceber como funcionam as engrenagens de um show de TV - independente de ser uma adaptação ou não - e de como a agitação dos bastidores pode influir nos roteiros e no destino de certos personagens: de uma certa forma, há lados positivos e negativos, sendo que os primeiros se referem a injetar um novo ânimo à série, dissociando-se de seu material original e criando arcos e personagens que, sendo fiéis à proposta inicial, apenas vem a contribuir para o programa, o que, no caso dos segundos, repercute em um movimento xiita em que tudo que ocorre no material original deve ser reproduzido ipsis literis no material adpatado, além do que o direcionamento proposto por um showrunner com mãos ditatoriais diferencia-se drasticamente daquele que consegue ser mais conciliador com toda a equipe. Só de falar dos bastidores desta série em especial já daria um texto extra sobre esta e a temporada anterior.
No que se refere aos dois últimos episódios da segunda temporada de TWD, esta foi a melhor decisão que os produtores poderiam ter tomado: enxugar o excesso de melodrama com o corte (ou tiro ou deglutição) de personagens e descambar para a ação descerebrada, famigerada e resiliente no que concerne a sobreviver; deixar alguns maravilhosos cliffhangers e algumas dúvidas para o futuro; prenunciar em cada mudança dos personagens aquilo que poderá vir na próxima temporada (sim, me refiro aos acontecimentos da HQ que são os sonhos molhados de todo fã de Robert Kirkman). Duvido que tenha havido algum descrente que não tenha gostado desta season finale e que provavelmente volte para a terceira temporada.
Por outro lado, não há como dissipar o fato de que esta temporada foi bastante irregular, principalmente em sua segunda parte e parece que os mesmos produtores estão antenados com a reação dos fãs. Tanto que já chamaram para a seleção "craques" como Michonne e o Governador. A possibilidade de acerto é enorme, mas também...
No mais, como um leitor apontou acima, o AMC começa a fazer história com séries geniais que ultrapassam em qualidade o que os demais canais da TV aberta e fechada estadunidense demoraram anos para cumprir. Só falta TWD assumir seu potencial e talvez tentar se igualar às outras. Falta de incentivo e histórias é o que não falta.

P.S.: T-Dog, ou melhor, Theodore Douglas, teve mais falas na season finale do que em toda a série. Mas a irrelevância continua a mesma...

adelmatrash disse...

E ai, já viu morte como essa: http://www.youtube.com/watch?v=9VDvgL58h_Y ?? =D

doggma disse...

Raid, curto muito a série, mas me falta conhecimento de causa. Não li os tijolões.

* * *

Luwig, eu sei da sua paixão. Li tudo a respeito naqueles textos viajantes daquele certo blog (lembra?). Próximo passo pra você é um só: uma tattoo com o logo da AMC (se é que já não tem, rs).

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Luiz André, valeu pelo comentário, cara. Também acho ótima essa revisão do roteiro original, tirando os leitores da zona de conforto e os atirando na zona do imprevisível junto com os outros pobres mortais. É uma jogada muito difícil de fazer, mas quando dá certo faz valer a pena. Tomara que eles tenham se afiado bastante nessa 2a. temporada.

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adelmatrash, já tinha recebido esse vídeo. Mas acabei vendo de novo. Essa porra é impagável...

Raid disse...

Também não li, mas seu texto sobre ela vai fazer falta. Afinal, hoje em dia tudo é baseado em livro/gibi/desenho/etc.

Homeland mesmo, se não me engano, é uma versão de uma série israelense.