Não sei explicar a vontade instintiva de recapitular o conjunto da obra de algum grande nome que se vai. Apelando para o psicologês de boteco, talvez seja a necessidade de um senso de conclusão. Em alguns casos raríssimos, até mesmo uma à altura da figura em questão. O bem conhecido e inesquecível Quando Éramos Reis (When We Were Kings, 1996) cabe aí como uma luva. De boxe.
A despeito de toda a comoção em torno da partida do grande-como-a-vida Muhammad Ali, uma sessão com Quando Éramos Reis é dica sazonal, vitalícia, atemporal. Dirigido por Leon Gast, que co-produz com David Sonenberg e Taylor Hackford, o documentário é lembrado como um dos melhores já feitos sobre Ali e o esporte.
Eu diria que é um dos melhores filmes já feitos sobre qualquer coisa.
Conhecia por alto o grande e audacioso evento que foi a luta no Zaire (atual Congo) em 1974. No chamado "Rumble in the Jungle" um redivivo Ali tentaria recuperar o cinturão dos pesos-pesados do campeão invicto George Foreman, então jovem, talentoso e com concreto nas luvas. Quando assisti o doc, na HBO, no final dos anos 90, finalmente fiquei de frente com a fera.
A luta por si só era o rascunho de um roteiro improvável, tremendamente quixotesca para Ali, mas o evento como um todo foi uma afronta ao bom senso. Promovida por Don King (quem mais?) no Zaire do sanguinário ditador Mobutu Sese Seko, o combate teve início muito antes de alguém subir ao ringue: os incontáveis perrengues dos bastidores iam da infraestrutura inexistente e do adiamento da luta por várias semanas até ao contingente de criminosos e presos políticos que abarrotava os porões do estádio onde ocorreria o evento. E isso era a ponta do iceberg.
Sozinha, a história da "organização" é tão incrível que merecia um filme só pra ela (em parte, existe), mas a verdade é que era apenas a escada para um dos confrontos mais espetaculares da história.
Naqueles tempos, a estrela de Ali ofuscava qualquer coisa que estivesse no firmamento. As gerações mais recentes têm aqui uma boa amostra do charme, carisma e magnetismo irreprimíveis do homem. Das poesias absurdas e da metralhadora trash-talk ao mais absoluto terrorismo psicológico que infligia a Foreman, seduzindo até a população local (inspiração desde sempre!). Mas acima de tudo, a consciência da força que tinham suas observações sociais e políticas somada à postura e à vontade inabaláveis frente a um desafio certamente intransponível - e, pra muitos, suicida. Caprichosamente, quis o destino que o protagonista fosse Cassius Clay, o Muhammad Ali.
Contra todas as chances, não podia ser outro. Nem diferente.
"A jovem geração atual, eles não sabem nada. Alguma coisa aconteceu ano passado, eles não sabem nada sobre. Então essas são grandes histórias, grandes eventos históricos, e eu não estou falando sobre coisas de 1850. Eles não conhecem Malcolm X, não conhecem JFK, Muhammad Ali, Jackie Robinson e assim por diante. Isto é assustador. Eles estão perdendo muito, se eles não conhecem o legado de Muhammad Ali. Porque não importa em qual era você vive, você vê muito poucos heróis verdadeiros."
Spike Lee
4 comentários:
Ali boma ye! Ali boma ye! Ali boma ye!
E o Foreman com cara de "aonde eu fui amarrar o meu bode"!
Bouma Ye, Muhammad!
Pobre George, nem viu o trem Ali.
E a MÚSICA que toca por todo esse doc, meu Deus. A música...
A primeira vez que vi esse doc, fiquei em completo êxtase. Will Smith nunca passará.
Simbora rever.
Esse vale demais.
Se for de torresmo, cuidado que tem um aí que é fake.
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