E falando em 2001: Uma Odisséia no Espaço, quando molequinho, esse era tradicionalmente o primeiro filme que eu assistia no ano. Na madrugada de réveillon, todos os canais saíam do ar, exceto a Globo, que exibia 2001 após a Missa do Galo, quase ao alvorecer do dia. Claro... "assistia" é só força de expressão: após alguns minutos, eu dormia como se não houvesse amanhã. Nem a macacada quebrando ossos ao som de Strauss me mantinha acordado.
Conforme fui envelhecendo, fui tomando jeito - alcancei o espaço e aos poucos (bem aos poucos) fui me aproximando da grandiosa sequência final em Júpiter. Finalmente! Não entendia nada daquilo, mas... finalmente!
Até hoje mantenho o ritualzinho de início de ano. Mas no lugar da obra-prima de Kubrick na Globo, o posto foi assumido - now, in D.V.D. - por Encurralado, o famoso Duel (1971) de Steven Spielberg. Esse foi o primeiro longa do cineasta, embora originalmente não tão longo para o cinema (74 min.) e produzido para um programa semanal do canal ABC.
Durante muito tempo, Encurralado foi o filme que inaugurou minha grade anual da 7ª Arte. Por algum motivo, o ano não começava pra mim antes de revisitar a saga de um inofensivo motorista (Dennis Weaver) sendo caçado por um assustador caminhão-tanque ao longo de uma highway no deserto de Mojave. Mas já há uma trinca de anos que o debut Spielberguiano tem dividido a telinha com outro telefilme. E produzido pelo mesmo canal.
Em novembro de 1983, a comportada e superfamília ABC resolveu aterrorizar o público americano - e o resto do planeta - com a exibição de O Dia Seguinte (The Day After). O filme era a dramatização do medo mais recorrente na época: uma guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética. O momento em que os mísseis são disparados dos silos nas bucólicas paisagens do Kansas e os efeitos old school misturando montagens e cenas de arquivo reais são arrepiantes. E os espólios do conflito fazem os sobreviventes invejarem quem morreu nos ataques.
Ainda hoje o filme traz uma carga deprê incrível. Especialmente para aqueles que se lembram daquela versão de mundo com duas Alemanhas. Isso graças ao olhar clínico do diretor Nicholas Meyer no elenco estelar - todos francamente engajados a fazer do filme um manifesto desesperado, mas sem panfletarismo: apenas se valendo dos apectos mais pungentes que uma grande atuação pode alcançar.
Nunca vi o Steve Guttenberg tão triste e miserável num filme. Difícil não ser impactado pela cena em que uma mãe (Bibi Besch) se recusa a aceitar que as bombas estão vindo e insiste em arrumar o quarto dos filhos. Ou acompanhar a lenta derrocada moral e psicológica de um médico veterano interpretado magnificamente pelo saudoso Jason Robards.
Além da natureza árida e da impiedosa descontrução do elemento humano, o que esses dois filmes têm em comum são seus protagonistas encarando um cenário inglório, quixotesco. São a epítome da máxima "coisas ruins também acontecem com pessoas boas".
Mas acima de tudo, são sobre pessoas que mesmo diante disso tudo, continuam seguindo, olhando para frente, para o futuro, por menos promissor que ele pareça.
Por quê? Não sei. Mas, estranhamente, é uma boa maneira de começar um ano.
4 comentários:
E os melhores de 2017, cadê?
Já vai!
Vi, bem jovem, os dois filmes e o sentimento de inquietação, por razões distintas, foi comum ao assisti-los. Em Duel o que me impressionava era as diferentes posições de câmera e a edição caprichada. A fonte de indignação era não ver o rosto do desgraçado que dirigia o caminhão. O sentimento de cagaço (vai acontecer algo ruim a qualquer instante) constante me incomodava bastante e isso era bom.
The Day After chegou com fuzuê imenso, reportagem na Veja, relógio do fim do mundo faltando 5 segundos para o apocalipse, projeto Guerra nas Estrelas etc. Quando assisti o filme pela primeira vez a sensação de brochação foi imensa, pois esperava que o approach fosse mundial e não focado em uma cidadezinha americana. Hoje, entendo que essa sacada foi genial.
O que ficou marcado foi a sensação deprê e desesperançada que permeia o filme. Fui dormir mais bem mais velho e angustiado. Em tempo, sempre achei que o ambiente natural do Nicholas Meyer era a TV. Todos os filmes que ele fez para cinema tem um quê de low budget característicos. The Day After bancado por uma rede americana não foge a regra.
Realmente a comoção em torno do "The Day After" foi enorme. Lembro que a 1ª vez que foi exibido na Globo, o próprio Cid Moreira fez uma apresentação do filme no finalzinho do JN com aquele vozeirão pesaroso. De arrepiar.
A gente sempre espera uma visão world-wide dos eventos, mas logo dá pra ver que não rolaria o mesmo impacto. Fora a força do desconhecido, que é muito bem utilizada nos dois filmes. O mal sem rosto é sempre o mais perturbador.
E o Meyer é da escola setentista do "uma ideia na cabeça e uma câmera na mão", quando era tudo bem marginal e transgressor - para muitos foi a última grande fase do cinemão americano. Curiosamente, o Spielberg, que veio da mesma escola, foi o responsável por mudar tudo isso.
Postar um comentário