Se hoje pouco se discute a condição dos quadrinhos enquanto forma de arte séria (quiçá se discute ainda), há uns 30 anos o preconceito do mundo adulto contra os gibis era mato. Não importava se fosse Watchmen ou o Demolidor do Mazzucchelli. Passou dos seis anos e ainda lia "revistinha", boa coisa não era.
Naquela época, muito antes da Internet, montar uma defesa de caso era difícil. A ingenuidade e inexperiência argumentativa da juventude não ajudavam.
Talvez por isso, uma certa propaganda da Abril tenha funcionado tão bem comigo.
O anúncio "A Marvel Faz essa Mágica!" saiu brevemente na 2ª metade dos anos 1980 nos títulos da linha adulta da editora - especificamente nos magazines Aventura e Ficção e A Espada Selvagem de Conan. O texto narrava a experiência imersiva de ler quadrinhos numa perspectiva lúdica e quase onírica (quem nunca?), enquanto a ilustração de um jovem adulto lendo revistinhas no intervalo do trabalho era um vislumbre da aceitação e da normalidade que eu tanto desejava para a minha relação com os quadrinhos.
Era a minha peça publicitária predileta sobre HQs, mesmo que relegada ao lado interno das capas (pregando, então, para convertidos, mas que se dane). Sempre ficava vários minutos admirando aquele conceito pseudo-interativo antes de embarcar no gibi propriamente dito e... participar das aventuras.
O autor da (para mim, icônica) imagem é o ilustrador brasileiro Carlos Franco. Ok, Sherlock, o mesmo nome que está na plaquinha de identificação na mesa do "jovem adulto", mas a carência de informações sobre ele me deixava na dúvida. Ainda assim, descobri que o artista trabalhou nas duas edições da Ação Policial, antologia de contos da Abril lançada no mesmo período. A assinatura e o estilo de pintura são inconfundíveis.
O que eu não sabia, no entanto, era que a arte do Carlos Franco se tratava de um genuíno "after" Steve Leialoha.
A promo "Marvel Makes the Magic!" foi lançada em 1984, como parte de uma campanha de popularização dos quadrinhos entre o público adulto da Marvel (estratégia também adotada por outras editoras). A peça teve alta rotação nas páginas da maravilhosa Epic Illustrated - versão da Marvel para a Heavy Metal clássica - e também em pôsteres exclusivos para o mercado americano.
Leialoha já era um veterano da Marvel àquele ponto, contabilizando trabalhos em Marvel Team-Up, Howard the Duck, Star Wars, Adam Warlock e finalizando Carmine Infantino em Spider-Woman (sem contar Sandman e seu Eisnerizado trabalho em Fábulas, mais pra frente). A ilustração pouco difere da composição posterior de Franco, mas fica evidente a cada pincelada que é mais obra de um arte-finalista que de um desenhista.
O que eu não sabia, no entanto²... é que mesmo a arte de Steve Leialoha seguia a estrutura e as marcações concebidas pelo arte-finalista e colorista Tom Palmer em seu original nunca publicado.
Um autêntico visionário e o verdadeiro criador da coisa toda, vamos dar o crédito.
Mas a inesquecível versão de Carlos Franco foi a melhor...
10 comentários:
Salve Dogma! Obrigado por tirar 1 sorriso do rosto e trazer de volta a uma epoca onde viagem era dentro de 1 quarto. Bom dia e boa semana e carnaval (depende de como se aproveita...rs). o/
Fala, Marcelo! Bons tempos aqueles, hm? Ainda hoje tento trazer um pouco daquele feeling de outrora para o meu mundinho adulto, apesar de ser complicado na maior parte do tempo. O carinha da ilustração é a minha eterna utopia, rs...
Abração e excelente Carnaval!
Leio toda porcaria - com todo respeito, claro - que vossa senhoria rascunha nessa bagaça desde 2004, e essa foi a primeira vez que a leitura embargou a vista.
Me senti como o Anton Ego naquela vez...*
Você ainda é o melhor no que faz, mas o que você faz-- aham, é bonito.
(*) https://media1.giphy.com/media/ex5i3xPhozedq/source.gif
Off topic: Eu, o Alan "Alcofa" Farias e um parça, o Mauro Ellovitch, no próximo sábado [29/02], gravaremos um podcast sobre Justiceiro: Born e O Pelotão. Estou redigindo a pauta. Queria muito te convidar e que considerasse participar. Sei que seu sangue ferve com esse material. Pense nisso.
Tá fazendo pod com o Alcofa? Legal!
Sempre penso em entrar de penetra numa dessas festas, mas acho que não pegaria a dinâmica da parada. Fora que ainda não tenho nem as tralhas para gravar.
Mas essa pauta, hein. Born e O Pelotão... Como é que o Ennis consegue, toda vez? Ele tinha que soltar um "Uma Teia Embaraçada" a cada quatro anos, só pra equilibrar.
Mr. Ego merecia um filme solo.
Uia, nunca chamaram o BZ de bonito antes! Sign o' the times...
Abração, Señor Sá!
Eita que resgate, Doggma!
Essa ilustra, pra mim até agora de autoria desconhecia, é parte da história!
Interessante perceber, através da comparação, que "a nossa" é bem mais rica em se tratando de divulgação, visto que a exceção da GHM a linha mensal está toda representada, sem contar as cores vibrantes e o realismo do personagem.
Em tempo! Me veio uma ótima lembrança:
De quando o ganhei um pacotão com um ano inteiro de assinatura Marvel/Abril, que era na verdade do ano anterior, calma eu explico:
Meu tio, então um empresário bem sucedido resolveu assinar, na esperança relembrar seus tempos de moleque, mas a exceção de Espada Selvagem, as demais com suas infindáveis continuações continuadas e conceitos surreais o fizeram torcer o nariz.
Melhor pra mim, pois ao visitá-lo, voltei pra casa com duas sacolas, cheias de gibis! Dos quais, não tenho mais nenhum.
Só me restando a lembrança dessa propaganda no verso das ESC's e oque ele me disse: Leva tudo pra você, não é mais pra mim, renovei só a PLAYBOY.
Abraços carnavalescos,
VAM!
O Alan tem o próprio podcast dele, o "Procurando Bitucas". Vai ser a primeira vez que iremos gravar juntos.
"Sempre penso em entrar de penetra numa dessas festas, mas acho que não pegaria a dinâmica da parada. Fora que ainda não tenho nem as tralhas para gravar."
Cê é de casa... como seria penetra?! Basta um fone fajuto e cerveja. A dinâmica é a de uma conversa nerd como outra qualquer, com a diferença que ela pode ser dirigida dentro de uma pauta prévia - como a que temos.
Ex:
- Intro/contextualização: Luwig
- A paixão de Ennis pela guerra: Mauro
- As três temporadas de Frank em 'Nam: Dogg
- Quem é Letrong Giap do gibi e o Vo Nguyen Giap da vida real: Alan
[...]
E aí são marcos temáticos, não monólogos. Cada um dá seu pitaco e vira um papo. Acho que você ia se divertir. Eu sei que vou e vou encher a lata no processo.
Abração.
obrigado
E aí, VAM!
Se o povo aqui no Brasil desse a mínima para valor histórico, essa ilustra do Carlos Franco (e o próprio, se estiver vivo ainda), estariam figurando numa sessão de autógrafos em toda CCXP.
E tem razão. Tecnicamente, a composição do Franco é muito superior à dos veteranos da Marvel: adaptou a dimensão das revistas para o nosso formatinho, além de replicar as capas reais dos gibis publicados pela Abril na época. Dá pra ver o carinho e o prazer do artista em cada detalhe.
"Melhor pra mim, pois ao visitá-lo, voltei pra casa com duas sacolas, cheias de gibis!"
Caramba, que história maravilhosa... Uma pena pela decepção do seu tio com as HQs da época (geracional, imagino), mas você certamente saiu com o melhor presente possível!
Abração, meu caro!
♠ ♠ ♠
Luwig, jurava que o Alcofa passou a fazer vídeos sobre a paixão dele, RPG. Devo estar viajando.
Valeu pela aula de anatomia do pod! E com cerva ainda no meio (pode? :^) parece bem divertido.
Vou arrumar essas tralhas e quando estiver com tudo na ponta da agulha, procuro-lhe para aquela pauta amiga.
Abraços!
♠ ♠ ♠
não há de quê
Grande, Doggma!
Eu Tb gostei e me identifiquei muito com essa imagem na época. Viajava com as HQs (bem menos hj, devido a falta de notas histórias).
Lembro-me que qdo estava na escola, la por volta de 75, havia uma única banca perto que vendia HQs, mas era uma batalha psicológica ir até lá e comprar, pois o fdp do jornaleiro, que tinha menos de 30 anos, sempre tinha um comentário desagradável sobre os gibis. O cara me aborrecida muito, até que acabei encontrando HQs num outro local. Isso me marcou muito, pois eu tinha muita raiva dele. Hj, é moda dizer que se é 'Geek' ou coisa similar. À duas penas mantive minha coleção.
Parabéns pelo'resgate' da imagem icônica.
Abraço.
CAL ZILLIG
Fala, Cal Zillig!
É, meu amigo, acho que todo leitor já teve seu arquivilão jornaleiro em algum ponto da vida. Irritava muito, mas revendo hoje, tratava-se apenas de atraso e ignorância terceiro-mundista mesmo. Eram pobres coitados.
E na época nem me ocorria em simplesmente dizer: "Olha, eu ia levar 4 ou 5 revistas agora e de novo na semana que vem, mas já que você se sente tão incomodado, vou comprar em outro ponto. Bom dia."
Hoje, claro, é quase impossível isso se repetir. Nego te trata superbem se você levar algum gibi. Se for capa dura da Mythos ou Panini então, até oferece cafezinho, rs...
Abraços!
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