Há apenas oito anos atrás, Superman: Legado das Estrelas dividia opiniões sobre a necessidade de recontar uma conhecidíssima história - no caso uma já muito bem recontada por John Byrne em Superman: O Homem de Aço, de 1986. Felizmente, em nome da globalização e de um projeto muito bem cuidado pelo roteirista Mark Waid e pelo desenhista Leinil Francis Yu, a empreitada acabou se justificando. Mas como os melhores inimigos do Superman, o famigerado relaunch sempre retorna. Ele está para a DC assim como a "morte" está para a Marvel. E em ambas as editoras, conceitos como bom-senso e continuidade parecem ter retornado pra caixa de sugestões.
Ciente de que não estou revelando o mistério da energia escura aqui, lá vai: relaunch é uma merda. Ruim se for de um único personagem, pior se for de todos excetuando o que é conveniente. Decisão editorial do tipo que me faz lembrar que leitores de Tex, Zagor, Mister No, Dylan Dog, Martin Mystère, Júlia Kendall e Mágico Vento nunca reclamam. Nada, nem um pio. Taí um clube que eu gostaria de entrar. Mas as coisas são o que são. Metallica e Lou Reed gravaram mesmo juntos, colocaram o Kelso no lugar do Charlie e o Flamengo foi espancado na Sul-americana. "Keep calm and..."
Ao menos a nova proposta para o Azulão é original. Ou quase. É inovadora pra quem tem menos de 60 e não acompanhou outro perfil do Clark que não aquele ideal americano encarnado - a um mícron do übermensch fascistóide explorado em abordagens mais ousadas, como Superman: Entre a Foice e o Martelo (queria eu ter uma foice e um martelo pra acertar na moringa de quem criou esse título) e até a inesquecível série animada Liga da Justiça Sem Limites. Sendo assim, parabéns aos editores da Panini pelo timing afiado: DC+ Aventura #3 é uma modesta porém bela introdução para esse recomeço do Superman.
Na história "A Cara do Autor", um jornalista da velha guarda inadvertidamente dá vida ao velho Superman dos anos 30. O problema é que seu ideal de justiça límpida e efetiva não se aplica à complexidade dos dias atuais. O roteirista Joe Casey sabiamente evita situações apelativas (como um embate físico entre dois Supermen) e faz uma singela homenagem aos valores que o herói defendia em seus primeiros dias. Confesso que essa história me emocionou um tanto mais do que eu esperava, particularmente na resolução do entrevero. Muito bom. De bônus, a edição finaliza com a origem do Superman por Jerome Siegel & Joe Shuster, em duas páginas da mais pura síntese narrativa. Minimalista é pouco.
Action Comics #1 mostra que o novo Superman bebe na fonte primordial de Jerry Siegel, Bill Finger (co-criador não-creditado do Batman) e Don Cameron. Sem mais guerra dos mundos, hipervilões-deidades e space operas em 89 capítulos e 52 tie-ins (por enquanto). Clark voltou a ser o herói dos oprimidos, o defensor da classe operária, o sal da terra. E o escolhido para guiar o novo rumo do personagem talvez seja o mais apto em todo o cenário dos quadrinhos atuais.
Traça que é, Grant Morrison deve ter salivado com a possibilidade de usar tudo o que sabe após todos esses anos de acesso ilimitado aos Arquivos DC. E também deve ter chorado de amargura quando percebeu que nem tudo funcionaria de acordo com o objetivo comercial do relaunch. A coisa toda teria que ser adaptada aos novos tempos. Tempos de Zeitgeist, WikiLeaks, Anonymous, Occupy Wall Street. Tempos de recessão mundial. Estados Unidos e Europa pulando juntos para o abismo. Máscaras de Guy Fawkes dobrando as esquinas.
Desde o nada discreto título da história, "Superman versus The City of Tomorrow", até a dinâmica re-re-repaginada do herói, agora com os pés atolados no chão (literalmente, já que não voa, apenas salta), tudo está em plena sintonia com as pessoas que defende - todo o proletariado que uma grande metrópole como New York, ou Metrópolis, pode comportar. Já de cara, Superman detona um mega-empresário corrupto que celebrava seus novos ativos em seu luxuoso prédio, com direito a champanhe na sacada. Ficção? Talvez o título mais adequado para a história fosse "Superman versus The 1%".
Esse populismo todo provavelmente não vai durar. A 2ª edição já traz um gancho que sugere a volta do antigo background com ênfase no ficcional. Mas a mensagem da estreia não deixa dúvidas.
Narrativamente, porém, Morrison lança mão de alguns recursos bem previsíveis. Cidadãos comuns defendendo o Superman num momento de aperto e a vidinha suburbana do Clark praticamente reedita a fórmula consagrada pelo Homem-Aranha/Peter Parker. Uma operação militar tentando capturar o "monstro" também lembra a rotina de um certo grandalhão esverdeado. Se não depõe contra, muito menos a favor.
E o mais importante: o novo Superman, badass? Acalmai-vos, nerds exaltados de Midgard. Mais reacionário, talvez. Daquela grosseria da Era de Ouro pouca coisa foi mantida, mas nada que lembre a saudável (e visceral) rivalidade com Fletcher Hanks nos áureos tempos. Morrison se segurou, por motivos óbvios.
Ainda não será dessa vez que ele fará o "escoteirão" escapar de uma perseguição sem deixar testemunhas.
DC+ Aventura #3
Action Comics #1
4 comentários:
Que me faz ter a idéia que o turo era um plano do Morrison, ele esmaga toda a linha editorial da DC e é chamado pra reescrever ela.
O negócio é que Morrison infelizmente não pode estar em 4 lugares ao mesmo tempo (como Bendis?) e com certeza não poderá evitar que o "seu" Super se torne aquele "Super" truculento "Image Way of Life" de Johns, Lee, Giffen, Jurgens, Pérez (até tu?), Lobdell e Cia que dá as caras nos demais títulos de aço ou congêneres.
Particularmente, ainda não gostei do que vi até agora em Metrópolis, mesmo esta vibe dos primódios do século XX pelo escocês. Parece com tudo, menos o meu Super dos tempos de "Exílio" (no formatinho da Abril). Melhor dizendo, são diversas referências, inspirações genuínas até, mas definitivamente nenhuma faz frente (ou ainda não faz, vai saber) ao Super-Homem ideal da maxissérie All-Star do próprio autor.
Clark que é Clark usa cuecão vermelho sobre as calças. Pra quem precisava de encerramentos, achou em número, gênero e grau nesse relaunch.
Na boa? Acho que já li o que queria ter lido na DC. Com raríssimas exceções, estou lendo seus quadrinhos pela admiração que nutro por alguns (poucos) criadores, como Jeff Lemire, Scott Snyder, J.H. Williams III e, claro, toda e qualquer empreitada do próprio Sr. Morrison.
Até o proprio Batman, só tá valendo o combustível que gasta no seu Bat-Móvel com o Snyder? A propósito, chegou a ler a sequência de histórias de sua autoria em Detective Comics #871-881?
Se não, honestamente? Sério mesmo? A melhor história do Batman que li e, de que me recordo, desde que o Século XXI é Século. Genial.
Belo post.
Abração.
Revitalizações nos quadrinhos sempre são necessárias de tempos em tempos. É quase um ciclo de vida que, diferente do que ocorre no "mundo real", não termina com o polinômio "nasceu-cresceu-reproduziu-morreu". Os heróis já nascem crescidos, depois sua maturação - tanto nas batalhas campais quanto no affairs com vilãs e heroínas - sofre abalos vertiginosos de acordo com as ordens de editores e do complexo de Deus de muitos roteiristas. Eles morrem, e ressuscitam algumas edições depois (às vezes, leva anos, mas dependendo da importância do personagem, seu retorno é garantido).
Sobre o Superman, bem, não me importo com as críticas sobre sua persona pública (!?!), porque creio que se tivesse nascido em outro lugar do globo e tivesse crescido com pais que o ensinariam sobre o bem e a moral, sobre como controlar seus poderes e não se transformar em um titã leviatânico, sua essência continuaria a mesma, embora o background mudasse.
Acho que a DC tem se arriscado demais em ofertar esta nova reformulação: há tantas fórmulas gastas e já vistas ('90's feelings) que pode colocar tudo abaixo em questão de meses. E para agravar a situação, a dança das cadeiras de roteiristas e desenhistas parece soar como um belo augúrio em um futuro próximo.
É impossível ter confiança de que mais da metade dos projetos irá vingar, talvez aqueles sob a tutela de Johns e seus brothers sobreviva mais um pouco... até que eles arranjem outra Crise nas Infinitas Terras.
Veremos (ou não).
Muitos títulos já cairam. Rapina & Columba, Blackhawks, Mister Terrific, O.M.A.C., Static Shock e Men of War. Tudo bucha de canhão, claro, mas é sintomático: aquele impacto inicial se foi.
Em pouco tempo restará duas opções para os títulos principais - ou as histórias terão que se manter em um nível de "muito bom" pra "excelente" ou mais um reboot (ou Crise, como você bem comentou) se fará necessária o mais breve possível.
Vindo da DC, não me surpreenderia se vingasse a última opção. Inclusive eles já reservaram até um plano B pra isso: a tal da Pandora, a garota com o capuz vermelho que apareceu em cada edição dos New 52.
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