terça-feira, 29 de outubro de 2013

Poderoso Thormento


Esculhambar O Poderoso Thor é muito pior que chutar cachorro morto. O longa para TV foi mais uma incursão do estúdio The Asylum, desta feita, para capitalizar em cima do hype do Thor da Marvel Studios. Então era mais que óbvio que sua natureza seria de subproduto genérico rasgado. Mas O Poderoso Thor consegue ser avant-garde em sua incompetência. A produção está muito abaixo do status de ruim, pois até pra isso existe o pré-requisito básico de querer ser um filme. E essa ambição em nenhum momento se desenha nessa pilha fumegante de estrume. Qualquer esforço em racionalizá-lo enquanto forma de arte - mesmo a mais pedestre possível - supera facilmente todos os esforços dispendidos desde sua concepção até a sua exibição - no que, creio, ter sido uma noite trágica para o canal Syfy.

Em comparação ao Thor-filme, às diversas versões de Thor dos quadrinhos, ao da mitologia clássica, à reimaginação alternativa bitolada que seja, é o equivalente filmográfico à restauração do Cristo de Borja, sem o apelo da piada involuntária. É um antifilme mais carne de pescoço que muito filme experimental por aí.

Enfim.

Fica claro que o orçamento foi todo captado no semáforo com a venda de paçoquinhas superfaturadas. Qualquer sombra de técnica e planejamento inexiste, soando como se tivesse sido criado na hora em que as câmeras foram ligadas, num único take é-tudo-ou-nada na "melhor" tradição de Ed Wood. Mesmo assim, um bacana chamado Christopher Ray (de Mega Shark vs Crocosaurus!) assina a direção, deixando Uwe Boll feliz da vida ao parecer Stanley Kubrick perto dele. Pessoalmente, acho que qualquer pobre coitado, na condição de apaixonado por cinema, conseguiria salvar um abacaxi desse, mesmo sem um tostão no bolso e nenhuma linha decente no roteiro. O fator diversão está aí pra isso mesmo.

Em O Poderoso Thor ele também aparece, à prestação e por puro acidente, espremido entre a preguiça mastodôntica da trama escrita (sic) por Erik Estenberg e a canastrice de todos os envolvidos.


Esqueça qualquer fidelidade ao panteão de divindades nórdicas, porque o roteirista aparentemente nunca ouviu falar em ninguém ali. No início, vemos Odin e seus filhos Baldir e Thor, fugindo de Loki... isso mesmo, fugindo (!)... enquanto tentam salvar uma Asgard em CGI de 8-bits do ataque iminente do deus da trapaça. Loki planeja destruir a Árvore da Vida (Iggdrasil, que, logicamente, nunca é citada aqui) e assim apagar o universo e recriá-lo à sua imagem e semelhança.

Para isso ele precisa do Martelo da Invencibilidade (!!) - na verdade um enorme paralelepípedo num palito - que pertence à Odin (!!!). Durante a luta, Loki mata Baldir e Odin (!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!) e a responsabilidade de guardar o Martelo fica com o jovem e inexperiente Thor.

O parentesco entre Loki, Odin e Thor nunca é mencionado (quiçá conhecido pelos realizadores) e seu visual parece um filhote do Edward Mãos de Tesoura com o que restou da fantasia do Esqueleto de Frank Langella.


Por sinal, é difícil precisar se sua fisionomia disforme e decrépita é resultado da maquiagem ruim ou se sequer houve maquiagem mesmo, já que se trata do ator Richard Grieco no papel. Sim, o Richard Grieco.

Antes de prosseguir, um pouquinho de cultura inútil para quem tem menos de 35...

Na reta final dos anos 1980, Richard Grieco era uma das figuras mais promissoras de Hollywood, encabeçando a turminha pós-brat pack que formaria a próxima safra de novos astros. No caso dele, graças ao sucesso de um dos personagens mais populares da série 21 Jump Street (aqui, Anjos da Lei) - onde, dizem, rivalizava feio com Johnny Depp - e inclusive ganhando até uma série spin-off. Grieco era um dos maiores salários da TV na época.

Na crista da onda, ele pediu as contas da telinha e aterrissou de 1ª classe em Hollywood. Espião por Engano (If Looks Could Kill, 1991), seu 1º filme "solo", porém, não teve uma grande receptividade da crítica e nem do público. Mas serviu para marcar território.


Grieco era jovem, galã e famoso, o franco next-big-thing daquela geração. Só que o rapaz tomou uma série de decisões pra lá de equivocadas: sucessivas plásticas que detonaram seu rosto, um mergulho de cabeça (de nariz, pra ser mais exato) num relacionamento cocainômano com a ex-deusa Yasmine Bleeth (de S.O.S. Malibu), escolhas medíocres de filmes e a carreira de ator sendo gradativamente colocada de lado para dar lugar aos seus trabalhos como pintor abstrato, músico e poeta.

Não deu outra: Grieco evaporou. Acabou virando uma lenda urbana para assustar atores e atrizes iniciantes em Hollywood. Um manual prático de tudo o que não deveria ser feito naquele negócio.

Mas voltando (tsc)...


Com esse background todo, ele acaba deixando um pouco mais fácil comprar o ódio e a frustração de Loki, que em nenhum momento é contextualizado apropriadamente. Aliás, ninguém é contextualizado ali. Nunca.

Minha primeira pista de que eles estavam pouco se estrepando para o que filmavam foi Odin. Um brutamontes musculoso e cheio de tatuagens, o Allfather mais parecia um motoqueiro hell angel. Ou um wrestler. E eis que o sujeito, chamado Kevin Nash, é mesmo um wrestler!

Por mais estranho que pareça, essa foi uma boa ideia derivada daquele fator diversão anteriormente citado. Ok, é preciso um certo paladar B para apreciar tal iguaria. Tenha em mente o Papai Noel hardcore da versão Santa's Slay ou o de Lobo Paramilitary X-Mas Special...

Mas, novamente, foi apenas acidental, pois essa deixa para o escracho nunca é aproveitada como deveria.


Com Odin e Baldir despachados pro Valhalla, o que se segue é Loki perseguindo Thor para obter o tal Martelo da Invencibilidade (Mjolnir quem?). E assim vai até o final, assassinando sem a menor piedade tudo o que o conceito de narrativa nos proporcionou desde os tempos do teatro grego.

No papel do deus do trovão está Cody Deal, a resposta norte-americana, com juros exorbitantes, ao cigano Igor. Dizer que ele é péssimo seria corroborar de algum modo que ele é, de fato, um ator, então prefiro me abster. Mas infelizmente não é só isso. De "poderoso" esse Thor não tem nada. É covarde, burro, chato, pedante, infantil, cara de mamão, uma bruta sacanagem que fizeram com o viking.

Teria apanhado muito mais de Loki, não fosse o auxílio de Jarnsaxa, guerreira e ex-serva de Odin, que salvou seu rabo de ser fritado quatrocentas e oitenta e oito vezes no resto da bagaça. Fora as vezes que o impediu de fritá-lo ele mesmo em algum de seus acessos de idiotice.



Pra ser sincero, Jarnsaxa foi a única razão de eu ter conseguido chegar ao fim de O Poderoso Thor. Mesmo durando cerca de 1 hora e meia (com os créditos), é uma das coisas mais inassistíveis que já tive o desprazer de testemunhar. Chegou a me dar saudades daquele tratamento de canal.

Como uma feliz providência do destino, Jarnsaxa foi interpretada pela Patricia Velásquez (a Anck-Su-Namun, a amada do feiticeiro Imhotep, da franquia A Múmia), ainda espetacular aos 40 e poucos anos e parecendo uma Sandra Bullock latina. E você que reclamava do Heimdall afro.


Apesar de Patricia quixotescamente tentar atuar ali, foram as coxas esculpidas e o umbiguinho libertino de Jarnsaxa que me guiaram através daquela provação.

Já na Terra, onde todas as ruas são transitadas pelas mesmas 5 pessoas, Jarnsaxa ensina algumas coisinhas bacanas a Thor.


Óbvio que sem grandes resultados práticos, mas que, visualmente, até têm seu apelo. É mais uma daquelas boas ideias mal-aproveitadas.

Muito mal-aproveitadas, aliás.


Quando Thor eventualmente é derrotado por Loki, que se apodera do Martelo e o manda direto para o Hel, os realizadores também tiveram outra grande sacada - só que desta vez, admito, apenas para sommeliers da cultura trash: em meio ao inferno escandinavo, Thor extrai matéria de um veio de lava e começa a moldar um novo martelo...

...forjando na porrada!


Além de séria candidata à cena WTF da Década, também serviu pra me acordar, pois àquela altura Jarnsaxa já tinha mandado tudo às picas e ido cavalgar com suas priminhas Valquírias (óóó, spoiler...?), apesar de, na mitologia nórdica, ela ser uma jötunn.

Mais uma vez, foi um mero lampejo de docaralhismo isolado. Eu encararia na boa um filme de horinha e meia só com essas maluquices.

No final das contas, Thor foge do Hel voando e, com seu novo martelo, destrói o Martelo da Invencibilidade - que na verdade era o Martelo da Imbecilidade - e, no processo, manda Loki também pra cucuia (não pergunte como). De quebra, salva a Árvore da Vida, a Terra, Asgard, etc., sem muitas explicações. Graças ao meu bom Odin.

Viva! Cheguei ao final!

Excelsior!!
O Poderoso Thor não é filme, é uma arma. Usado com responsabilidade, é ideal pra espantar visitas indesejadas ou partir pros finalmentes com o ser amado sem a preocupação de estar perdendo algo que preste. Do contrário, os danos psicológicos serão catastróficos e irreversíveis. Agora me dá licença que tá na hora do meu remedinho.

Ah... obrigado, sra. Hatchet. Posso tomar mais um? Por favor...

O Poderoso Thor ("Almighty Thor", Estados Unidos, 2011), 92 min.
Direção: Christopher Ray
Elenco: Richard Grieco, Patricia Velásquez, Kevin Nash, Jess Allen, Cody Deal

2 comentários:

Luwig Sá disse...

Dogg, que Bor e Odin tenham compaixão de ti e o punhado de neurônios que ainda lhe restam. Até o papai de Kim Bauer arregava primeiro nessa sessão de tortura.

P.S. Ahahahah... à época do lançamento, fui ao cinema assistir esse 'Um Espião Por Engano'... e sabe do que mais? Eu gostei!

Abração.

Sandro Cavallote disse...

Pô, começando a segundona brava aqui em grande estilo, mesmo que às custas de seus neurônios, cachorro! Rindo pacas! :P

Nem consigo comentar o filme, ainda mais porque vim pra cá pra ver se vc tinha escrito algo sobre Loki: O Reino Sombrio.

E, pô, na época da locadora, Espião por Engano tinha fila de espera! Estratégia da Warner, que fez um display bonitão de metro e meio.