segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Uma velha esperança


Lamentável isto é, mas não necessariamente inesperado. Em Star Wars: O Despertar da Força, J.J. Abrams recicla obsessivamente a estrutura e as fórmulas vencedoras do passado, mascarando como novidade o que deveria ser um próximo passo para a série. Além disso, ele definitivamente não consegue lidar com os personagens clássicos. No final, a irresistível dupla de protagonistas salva o filme das inconsistências do roteiro - do contrário, a perda de tempo seria inevitável.

Esse foi o meu resumo da (space) ópera. Mas como bom entusiasta da guerra nas estrelas, vou expandir.

Abrams é uma das grandes histórias de sucesso da TV americana recente e um dos sujeitos que melhor entenderam o mainstream hollywoodiano a partir do final da década de 1970. Em sua econômica filmografia como diretor, ele reformulou o ganha-pão de Tom Cruise com mecanismos de ação consagrados no cinema e na TV, mimetizou Spielberg em nível molecular e trouxe Star Trek finalmente para um século onde nenhum filme da série jamais esteve. Esse último merece uma observação à parte, já que tem tudo a ver com o novo cenário.

Seu trabalho no longa de 2009 foi um passeio no parque: aventuresco, bem-humorado e dramático na medida, atualizou um cânone sacrossanto para uma nova geração sem subestimar nem um e nem outro - e ainda contextualizando in loco uma bonita reverência ao original. Tudo graças à fina sintonia com os roteiristas Roberto Orci e Alex Kurtzman e, claro, ao objetivo tangível de apenas contar uma boa história.

Em sua investida na ex de George Lucas, porém, Abrams não buscou conciliar o clássico com o novo, mas sim confrontá-los. Isso se estende desde às novas parcerias, com o tratamento inicial do roteiro de Michael Arndt (Toy Story 3, Jogos Vorazes: Em Chamas) sendo reescrito pelo veterano Lawrence Kasdan (O Império Contra-Ataca, O Retorno de Jedi), além do próprio J.J. O porquê disso eu não sei, mas o que se vê aí é precisamente a metáfora do filme: um choque de gerações.


No embate do velho com o novo, quem se sai melhor é justamente a dupla de novatos John Boyega (Finn) e Daisy Ridley (Rey). A escolha desses dois pode parecer uma adequação de Star Wars aos novos e inclusivos tempos (e é), mas o fato é que garantiram as boas qualidades de um filme cuja trama não para de conspirar, inclusive contra eles mesmos.

Finn é o lead para o espectador e o perfeito protagonista improvável: stormtrooper, preto, sem dons especiais e nenhuma ligação com o que veio antes (Lando era um jogador cafajeste e Mace Windu, um mestre jedi - ambos coadjuvantes). Ousado. Sem se intimidar, Boyega conduz grandes cenas como se fosse habitué em megaproduções - e destaco aí a eletrizante sequência game shooter em meio a uma batalha campal. Seu perfil humano e cheio de falhas, mas de bom coração e algo imprevisível torna Finn alguém que parece valer a pena acompanhar. E se importar.

Rey é outro caso. As prévias a vendiam como uma bela jovem crescendo bela e jovem numa típica quebrada desértica/mundo-cão de Star Wars. Com um fôlego invejável, a atriz atropela todas essas convenções na base do talento e da raça. Rey é idealista, de personalidade forte sem ser chata e, ao mesmo tempo, tem um ar de indisfarçável - e adorável - ingenuidade. Tem todos os requisitos para ser um ótimo "O Escolhido" da vez. Leva 4 Korras de 5 na escala Avatar.

Mas claro que, no saldo geral, as atenções se voltam para um aspecto bem particular do filme. Após três décadas, os fãs de Star Wars finalmente puderam conferir boa parte do elenco original retornando àquele universo. Mas isso você só consegue mensurar quando surgem na telona Han Solo (Harrison Ford), Leia Organa (Carrie Fisher), Chewbacca (Peter Mayhew) e C-3PO (Anthony Daniels). Não tem como segurar um sorriso moleque diante da quintessência do cinemão pop. Principalmente vendo Ford se divertindo igual a um guri de antigamente brincando descalço na rua.


No tradicional resumo de abertura, vemos que a famosa queda do Império foi mais uma topadinha na quina. Ainda com uma vasta estrutura logística e tecnológica, mais o contingente e poderio militar remanescentes, o Império, rebatizado Primeira Ordem, é controlado pelo mestre sith Snoke (Andy Serkis, quem mais?). Ao seu lado está Kylo Ren (Adam Driver), seu aprendiz, que disputa o comando da horda com o General Hux (Domhnall Gleeson).

Contrariando o tom otimista do final de O Retorno de Jedi, a Aliança Rebelde, liderada pela agora general Leia, segue como um grupo de insurgentes. Luke Skywalker, alçado a um status messiânico, é uma das únicas esperanças da resistência, porém se auto-exilou quando uma tragédia mal-explicada se abateu sobre alguns padawans que treinava. Seu paradeiro não é apenas desconhecido, mas também o MacGuffin do filme e está parcialmente contido nos dados carregados pelo droid BB-8. Após um ataque da Primeira Ordem, BB-8 acaba perdido no mesmo planeta que Rey vive - e onde Finn acaba se refugiando em sua recém-deserção dos stormtroopers.

O plot é basicamente um revamp de Uma Nova Esperança, inclusive nos vários ganchos presentes na narrativa: um droidzinho com informações vitais, um velho mestre recluso, um jovem talento que pode restaurar o equilíbrio à Força, missões de resgate suicidas, jedi e sith sendo encarados popularmente como lendas urbanas (ou galácticas?) e até um planeta sendo explodido por uma mega-arma dos vilões. O roteiro não foi nem um pouco sucinto.


Mesmo a ambientação parece concebida por uma seguradora. Enquanto Takodana lembra uma filial micro da lua de Endor, o planeta Jakku poderia ser tranquilamente o novo nome de Tatooine. Com seu deserto infindo cheio de ferro-velho, scalpers e ao menos um futuro jedi salvação-da-lavoura, sua concepção é de um déjà vu atordoante. Não fosse o lugar um cemitério de cruzadores imperiais abatidos (isso sim, visualmente muito legal), teria sido quase uma reprise da Sessão da Tarde.

O número de coincidências também é considerável. Não as coincidências regulares do manual hollywoodiano, mas coisas como um TIE fighter com Finn e o piloto Poe Dameron (Oscar Isaac) caindo relativamente perto da localização de Rey e BB-8. Um golpe de sorte inacreditável, visto que aquilo é um planeta, não um bairro. Mais impressionante ainda foi Han Solo esbarrar com os heróis em pleno espaço, enquanto estavam à deriva na Millennium Falcon.

Descontei o quanto deu, mas não ajudou nada inserir, num curto espaço de tempo, duas fugas da mesma prisão de uma base espacial da Primeira Ordem. Se foi homenagem à clássica escapada do filme original, exageraram na dose. Em valores terráqueos de incompetência, isso equivale a uma população carcerária inteira fugindo de uma prisão pela porta da frente. Vader não perdoaria.

E por falar na Terra, outra grande presepada do roteiro foram os flertes com a nossa triste e cinzenta realidade. Em outros tempos, os grandes autores de ficção-científica criavam outros mundos para falar dela, mas de forma indireta, quase subliminar. Mesmo a trilogia original de Star Wars tinha essa qualidade. Já as analogias de O Despertar da Força têm a sutileza de um caminhão de dezesseis rodas. A começar pela titularidade de Snoke: supremo líder quem, cara-pálida?


Pior é a postura do histriônico General Hux, imersa no TOC nazifascista adotado pelo irlandês Gleeson, que ainda por cima parece jovem demais para aquela patente. O inesquecível e cerebral Grand Moff Tarkin jamais precisou vender ideia nenhuma. Ele era a ideia. Mas o que antes era apenas um paralelo discreto, aqui vira o estouro de uma manada de rinocerontes. Especialmente na cena do inflamado discurso "em praça pública", preterindo mais uma vez o fator escapista em favor do panfleto. Só faltou o sieg heil!. Constrangedor.

A origem sugerida de Finn é outro exemplo. Numa breve fala, sabemos que foi raptado e provavelmente condicionado e treinado para servir à Primeira Ordem. Uma referência rasteira às práticas das milícias do Boko Haram, E.I. e aberrações quetais. Isso não é Star Wars, é Fox News. Sem contar que sua "desprogramação" ocorre da maneira mais incrível: do nada, após se horrorizar com a chacina empreendida por seu pelotão em uma pequena vila.

Será que, durante o tempo em que esteve em suas fileiras, Finn nunca teve contato com as atrocidades cometidas pela Primeira Ordem? E seu treinamento foi baseado em quê, design de interiores? Ou simplesmente lhe deram uma armadura, um rifle blaster e um iPod com "Let the Bodies Hit the Floor"?

Difícil acreditar nessa transição tão simplória e sem o menor desenvolvimento psicológico, de boteco que seja. Se queriam mesmo mexer nesse vespeiro numa produção mainstream, e não deviam, que assistissem Incêndios para um mínimo de conhecimento de causa. Aposto que reescreveriam tudo na hora. De novo.

A grande bola fora da vez só não foi maior porque já é quase folclórico ver o grande Max von Sydow coadjuvando pelos cantos de Hollywood. No caso de Star Wars, porém, faz por merecer uma observação. Com a postura íntegra de sempre, exalando harmonia espiritual, sabedoria e trajando uma indumentária que em muito lembra a de um veterano jedi, sua ponta no filme configura o maior desperdício de um Max von Sydow coadjuvante de luxo de toda a História dos Max von Sydows coadjuvantes de luxo. Então o Cavaleiro Antonius Block topa se divertir num filme pop com sabres de luz e ninguém agita a parada? Vê se pode.

Chato ainda é ver o terrível tratamento dispensado ao elenco jurássico da franquia. O único que se sobressai é Harrison Ford, porque gostou da brincadeira e resolveu que o palco era dele. Fez bem, já que Carrie Fisher foi sumariamente amordaçada pelo roteiro. Chegam a ser deprimentes as aguardadas cenas com Leia e Solo. Parecia um monólogo - ele, como sempre vivaz e provocador; ela, completamente absorta e monossilábica, uma estranha.

Provavelmente é Fisher quem vai pagar essa conta, mas é visível que ela recebeu uma verdadeira bomba em forma de script. A impressão é que não confiaram mesmo em sua capacidade, mas a colocaram ali por uma mera batida de cartão. O resultado, claro, é o pior possível.

Mas tem mais. Ah, O Despertar da Força.


Kylo Ren teve a honra duvidosa de estrear uma galeria de vilões ruins de Star Wars. Do início promissor até a perda total subsequente, deram uma aula de como estragar um personagem em tempo recorde. Difícil encontrar similares de decepção em qualquer mídia. Carregaram nas tintas com a entrada triunfal e o resto simplesmente não segurou a onda.

Logo de início, Ren usa a Força do modo como sempre sonhamos ver na telona - ou víamos nos games da LucasArts. Vader bloqueava disparos blaster com as mãos? Ren segura os disparos em pleno ar, sem transparecer grande esforço. Formidável demonstração de poder para alguém que, segundo uma fala de Snoke, ainda nem havia concluído seu treinamento. Certamente se tratava de alguém forjado em racionalidade, disciplina e equilíbrio. Assim parecia.

Seus escandalosos e infantis acessos de raiva trataram de sepultar as boas impressões. Parecia vilão de desenho animado dos anos 80. Uma postura incompatível para alguém daquela hierarquia. Incrédulo, fiquei aguardando alguma virada que conferisse certa dignidade às cenas. Não rolou.

Sobre o sujeito sem o capacete, me limito a comentar que foi o clímax do anticlímax.

De cara limpa, sabre de luz medieval em punho e cheio dos sentimentos que levam ao Lado Negro...


Antes de tudo, foi bem sacado o parentesco de Kylo Ren. Entre as várias possibilidades de um Star Wars 7, aquela era certamente a mais lógica. E foi tocante saber seu verdadeiro nome, ainda que jogado en passant numa das cenas mais infames da série.

Dá pra antever a clicherama a parsecs só pelo cenário: Han Solo e o choramingante Ren se deparando numa ponte sobre um abismo high tech. Solo não nutria a menor esperança pela redenção de Ren e inclusive confessou isso pra Leia, mas mesmo assim se coloca numa situação sem saída e sem o menor sentido prático. Logo ele. Tão incoerente quanto o Greedo ter atirado primeiro. Han não merecia essa péssima saída de cena.

Mas o roteiro não dá descanso e coloca Ren passando um dobrado para vencer Finn no sabre de luz. Estava ferido, mas um guerreiro que congela raios no ar deveria vencer amadores até sem os braços. O sujeito tem supertelecinésia, oras. É só fazer as contas.

Já a luta com Rey foi ainda mais absurda: a menina dá um baile no coitado e só não termina o serviço por causa da conclusão pavorosa, onde uma fenda se abre no chão criando um enorme chavão, digo, precipício entre os dois. Acho que nem Lucas seria capaz de uma coisa dessas.

O fato de Rey se mostrar autodidata em todas as nuances da Força e no manejo avançado do sabre de luz é algo que não dá nem para categorizar. O mesmo vale para o momento em que ela, ao ter contato com memórias passadas, entra em pânico e corre chorando por uma floresta, como uma perfeita damsel in distress. Construção de personagem é artigo supérfluo em O Despertar da Força.

A cereja foi ver Leia passando direto por Chewie sem nem olhar pra fuça do peludão - que foi apenas o fiel parceiro de Solo por uma vida - e indo direto ao encontro de Rey para consolá-la. Nesse ponto fica claro o protagonismo de Rey sendo enfiado pela goela do espectador, como se a própria personagem não tivesse atrativos suficientes para merecer o posto.

Senão, como explicar o fato da Aliança ter enviado apenas Rey e Chewie para encontrar Luke e convencê-lo a voltar? Luke é a maior esperança da galáxia, não faz sentido confiar uma missão dessa magnitude a uma recém-chegada sem experiência. Não sou especialista em estratégia, muito menos em psicologia de mestres jedi, mas imagino que se enviassem Leia, sua irmã, escoltada por um esquadrão X-wing seria o mais sensato.

Na conclusão, ainda arrematam com uma cena tão pretensiosamente épica que deu vontade de usar o velho truque mental jedi e desver tudo: Rey encontrando Luke em Machu Picchu e devolvendo seu sabre numa interminável pose com direito a travelling aéreo em 360º. Parafraseando o saudoso Mestre Yoda, um episódio de Star Wars não cultiva tais coisas. Ou ele é épico ou não é. Não existe tentar ser épico.

Quando surgiram os tradicionalmente abruptos créditos da série, eu quase podia dizer que foi um alívio.


Star Wars: O Despertar da Força deixa evidente que é o filão principal de um grande pacote multimídia. É óbvio que certos detalhes foram deixados em aberto para serem explorados em livros, quadrinhos e games - o que já está acontecendo há algum tempo, aliás. Estão lá esperando explicação o braço vermelho de C-3PO e o PhD mágico da padawan Rey pelos caminhos da Força, assim como os eventos ocorridos ao longo dos 30 anos de gap desde O Retorno de Jedi.

São os DLCs de Star Wars, só pra usar um termo do milênio. O que, se não traz nada de novo, ao menos renova a tradição da série antes do Universo Expandido prévio ser descartado pela Disney.


Na saída do cinema, lá estava eu comparando a retomada da franquia com a retomada feita pelo irregular A Ameaça Fantasma, há 16 anos. Esperava muito, recebi pouco e, mesmo assim, saí bem mais satisfeito daquela sala.

Bons tempos.

12 comentários:

Luwig disse...

É, definitivamente, tu saístes da sala de cinema com a pá virada. E, cá entre nós, o seu texto não dá margem alguma para refutar os argumentos apresentados para tal. O roteiro de O Despertar da Força é um queijo suíço dos mais refinados, mas, ainda assim, não posso renegar o sabor fugaz que a iguaria me deixou na boca, mesmo que depois pareça um "gorgonzola" dos mais infames.

Como sugeristes, o requente de tramas e subtramas sobrevive às custas do carisma pelos novos personagens e a engenhosidade de uns dois velhos contrabandistas - como, por exemplo, a sequência do impasse mexicano interestelar no cargueiro de Solo. Quanto a Leia, não dá nem para julgar a personagem pelo pouco que interferiu, mas a própria Carrie Fisher, que segundo ouvi por aí na pré e pós-produção, se mostrou um ego tão difícil de controlar quanto o sobrepeso que foi "forçada" a perder para reviver o papel.
Mesmo que a trancos e barrancos, Finn acabou humanizando a figura do Storm Trooper, o que por si só passa a ser um risco em potencial para as fileiras da - subaproveitada - Capitã Phasma. Quer dizer, se por um golpe de sorte ou não, o sistema foi quebrado, aquele "traidor" é um ativo que necessita ser estudado pela Nova Repúbica e eliminado pela Primeira Ordem.

Sobre o engajamento Pré-Episódio VI, o livro "Manual do Império" dizia o seguinte: https://pbs.twimg.com/media/CT7bRpCXIAA1jKa.jpg:large

Mas claro, como se trata de uma obra de viés propagandista (pró-Império), na verdade, ao contrário do que tu imaginas, o que O Despertar da Força pode ter feito foi revelar a verdade por trás desses "jovens patriotas" do excerto. Não deve tardar muito até que o Novo Universo Expandido se aprofunde mais nessa questão. Meu melhor palpite é que veremos uma abordagem disso em "Antes do Despertar*", que logo mais deve chegar por aqui.

(*) http://www.amazon.com/Star-Wars-Force-Awakens-Awakening/dp/148472822X/ref=sr_1_1?s=books&ie=UTF8&qid=1451520785&sr=1-1&keywords=star+wars+before+the+awakening

Agora trazer Incêndios, de Denis Villeneuve, para contextualizar a deserção desse personagem é como levar uma .50 para uma briga de canivete. Eheheheheheh...

Desse jeito, o pobre do Finn pode até cortar um dobrado contra o Kylo, mas não contra... http://4.bp.blogspot.com/-k23_xB6nI3w/T8aY-cBS8nI/AAAAAAAABYY/lkSp4COPicw/s1600/t5xbNg0kWE2QOggt2UoLfpzL1yd.jpg

No que diz respeito a autodidática de Rey sobre a Força, interpretei-a da seguinte forma: de algum modo, Kylo afrouxou bloqueios plantados na mente dela para que se esquecesse do conhecimento pregresso sobre o caminho Jedi como Youngling ou, por que não como Padawan? Afinal, quem garante que ela foi mesmo abandonada aos cinco anos de idade em Jakku? O lapso de tempo não poderia ter sido menor e a recordação do abandono pela família não passariam de sugestões de um mega mind truck?

Pode parecer forçado, mas na própria novelização do filme, dá-se a entender que Luke já a conhecia "em Machu Picchu"...

Mesmo se nada disso se mostrar real, um raciocínio que li sobre a Força, através do personagem Kanan Jarrus - no (ótimo) livro Um Novo Amanhecer, de John Jackson Miller -, me deu outro ponto de vista sobre as habilidades de Rey. No romance, Caleb Dume era um Youngling astuto/questionador e, por alguns meses, quando tinha cerca de 13 anos, foi Padawan da Mestra Depa Billaba, tendo seu treinamento sumariamente interrompido pela Ordem 66. Para sobreviver ao expurgo, ele renegou a influência da Força, deixando-a de lado tal como sua identidade, batizando-se como "Kanan Jarrus". Após dez anos de anonimato, não havia mais qualquer sinal nele que apontasse para alguém que outrora fora um praticante de uma "velha religião".

Luwig disse...

(continuando)

Por outro lado, Jackson Miller deixa subentendido que por mais que a Força esteja latente, sem direcionamento ou mesmo sendo ignorada, como no caso de Kanan, o indivíduo que é agraciado pela mesma, sempre se diferenciará de algum modo dos outros seres vivos. Vide o infante Anakin, Podracer e construtor droides protocolares; ou Luke que, sem mira, acertou dois torpedos de prótons no ponto fraco da primeira Estrela da Morte. Por essas e por outras é que não consigo encarar com tanta estranheza os feitos de Rey.

O caso de Ben Solo é realmente de maior complexidade, mas também não demanda tantos floreios filosóficos. Isto é, ele claramente está naquele terreno "mais baixo" que Anakin estava antes de perder as pernas para Obi Wan no terreno "mais alto". Tinha a capacidade de paralisar um feixe de blaster, mas não a de manter sob controle suas próprias ansiedades. Desde as prévias, Kylo sempre me pareceu um Sith freestyle, um diamante negro a ser lapidado. Até seu sabre parece inacabado, com a energia pulsando do cristal de forma errática, e nunca concentrada, ou elegante como a de seu avô.

Aliás, tu podes até não concordar, mas nunca vi tamanha cinética e senso de perigo num duelo de sabres. Você sente que alguém ali realmente poderia se ferir mortalmente, com direito a queimaduras e gelo fazendo "tssss". Mas claro, teve aquele pega pra capar em Mustafar, onde dois Jedis nos ápices de suas habilidades se confrontavam num mar de lava digital que nunca parecia uma ameaça palpálvel. É essa palavra, "palpável"... Fisicalidade, o tal "tssss", saca?!

***

Voltando as "coincidências", duas me irritaram profundamente:

1) A do salto da Millennium no hiperespaço às cegas, esbarrando sem querer-querendo no cargueiro de seu antigo proprietário. Depois dessa, a ejeção do jovem Kirk justo no planeta em que o velho Spock estava, agora até parece mais razoável;

2) A ameaça da "Star Killer", com direito a outra contagem regressiva; puxa vida, se elemento estivesse ausente da trama, arrisco dizer que todas as outras coincidências seriam mais digeríveis.

***

No final, o enredo do O Despertar da Força acertou em injetar sangue novo na saga cinematográfica, mas não deixo de imaginar que o correto mesmo teria sido convocar um novo elenco - como o ocorrido em Star Trek - para começar a trabalhar um background Pós-EVI*, sem um lapso tão grande quanto o daqueles 30 anos.

(*) http://i.imgur.com/yzt4hzM.jpg

A menos que a Disney, algum dia, esteja disposta a narrar no cinema as histórias do trio clássico nessas três décadas perdidas, com o perdão da anáfora, muito se perdeu em Jakku.

Mas, paradoxalmente, o que falta em ousadia na saga cinematográfica, sobra nesse novo universo expandido. Os livros que li até aqui*, por exemplo, conseguiram imprimir na minha mente outros pontos de vista sobre a saga, inclusive com uma visão mais amadurecida sobre a "guerra nas estrelas".

(*) Pela Cia. das Letras: 1) A Arma do Jedi; A Missão do Contrabandista; 3) Alvo em Movimento. Pela Aleph: 1) Tarkin; 2) Um Novo Amanhecer; 3) Marcas da Guerra: http://osescapistas.blogspot.com.br/2016/01/a-voz-dos-excluidos.html

Até os quadrinhos marvetes fogem do lugar comum, entregando boas tramas dentro daqueles três longos anos que separam os Episódios IV e V. Diferente da Dark Horse, que raramente conseguia montar equipes criativas de renome, a Marvel não está poupando material humano nessa nova parceria: Jason Aaron, John Cassadey, Stuart Immonen, Mark Waid, Terry Dodson, Greg Rucka, Kieron Gillen, Sal Larroca, Charles Soule, Alex Maleev, Phil Noto, etc.

E as animações, o que posso dizer? Tem narrativas em Clone Wars que, me perdoe, mas fazem a heptologia soar como mera distração. Ponto. Sim, eu disse isso e mantenho com Rebels. E se o mundo for um lugar justo, Dave Filoni - o "Bruce Timm" de Star Wars -, algum dia fará um Star Wars live-action.

Do Vale disse...

Concordo com o Doggma e agora tenho que concordar com o Luwig também depois desses esclarecimentos. Como só acompanho os quadrinhos atuais da Marvel, não tenho todo esse background do Universo Expandido nos livros.
Vou "roubar" essas explicações e levar pra próxima mesa de bar que questionarem algumas dessas coincidências ahahahaha
Abraço o/

Fábio RT disse...

hummmmmm...quase tudo faz sentido rs rs ....mas mesmo assim o filme é muito bom !!!! Culpa da Força ! No mais achei Kylo um vilão muito interessante...o fato de ele na verdade ser fraco conta muito a favor...do contrario seria um clone do Vader da trilogia clássica

blogzine disse...

Não sei, Star Wars é muito mais legal quando você está vendo de longe, com saudades e sem muita análise racional.

O filme é tudo isso que você falou, doggma, mas É APAIXONANTE TAMBÉM.

Anônimo disse...

Mais do mesmo. Deviam ter deixado para o George Miller :)
Picaretagens a parte, é um filme com boas sequencias.
"Engraçadinha" a cena que faz referência aos "Caçadores da Arca Perdida".

doggma disse...

Luwig, não é de surpreender. As mídias do UE têm mais mais liberdade para arriscar - especialmente as séries animadas desde a antológica Clone Wars do sumido Genndy Tartakovsky. Com a Caixa de Pandora escancarada, a função dos filmes passou a ser estruturar uma dorsal para esse enorme cânone. O que, se parece relativamente simples de um lado, se complica consideravelmente pelo tempo disponível pra fazer isso - e fazer bem.

O gap de 30 anos, concordamos, ficou bastante exagerado. Especialmente quando o filme do J.J. restitui várias situações ao seu status original em nome da nostalgia. Só pra citar dois exemplos: então Leia passou a vida inteira como rebelde lutando numa guerra sem fim? E Luke fracassou em reconstruir o Conselho Jedi? Triste demais.

Sobre o Kylo, gostei muito de suas observações (muito mesmo), embora, colocadas na balança, não redimam seu desenvolvimento. Não sei o que esperar dele para o(s) próximo(s) filme(s), mas sei o que não esperar: uma redenção moralmente viável. É a diferença entre o Kylo e, só pra citar outro personagem de perfil e plot similares, o Príncipe Zuko, do desenho Avatar.

A manifestação sutil da Força foi uma das coisas que a série manteve bem desde o início. Mas, novamente, no caso da Rey foi a única vez em que isso soou forçado. Em comparação com Luke e Anakin, ela parece mais uma esponja da Força ao realizar prodígios cada vez maiores e mais complexos. Se isso não for explicado mais pra frente como uma habilidade rara e singular (algo como uma ressonância mórfica jedi), será quase impossível justificar com argumentações convencionais.

Ok, me pegou. Jogar "Incêndios" na fogueira é golpe baixo, baixíssimo... foi mal, rs.

Sua análise sobre o Finn e o que ele representa são fantásticas e muito pontuais. Assim fica ainda mais fácil ver como ele será uma figura importante a médio-longo prazo. Por isso mesmo deviam ter sido mais cuidadosos ao contextualizá-lo. Imagino que foi mais um gancho deixado solto para retconização futura em HQs/livros. E que se dane a fluidez do longa-metragem (a molecada atual tem déficit de atenção mesmo!).

Muito bacana esse trecho do "Manual do Império". Sem ironia, parece manifesto da Juventude Hitlerista!

* * *

Do Vale, a mesa de bar pode ser aqui mesmo! É só abrir uma Miller, botar um AC/DC na agulha e vamo nessa.

Também estou passando todas essas linhas SW nas bancas/sites. É isso ou mando cortar água e comida e aumentarem o dia pra 28 horas.

* * *

Fábio RT, realmente esse é um ponto interessante:

"o fato de ele na verdade ser fraco conta muito a favor".

Bate com a sensação de perigo e imprevisibilidade citada pelo Luwig. Se for bem explorado...

* * *

Reginaldo Yeoman, pra mim comentar sobre SW de forma mais idealizada e romântica é quase irresistível. Cresci vendo esses filmes e claro que me emocionei em algumas partes de "Despertar". Não sei se isso ficou claro no texto, já que sempre lembramos das palavras mais duras, rs. E se comentei negativamente um tanto é porque me importo também.

* * *

Luiz Carlos, a referência à Arca foi coisa fina. Aliás, meu réquiem favorito pro Solo teve tudo a ver com o universo do Indy:

http://blackzombie.blogspot.com.br/2011/11/os-nativos-atiraram-primeiro.html

Chico disse...

eu reconheço os furos do filme, mas curti. Não curto tanto SW, mas esse filme fugiu daquela coisa chata de briga de sabre de luz ("oooun" "uooon") e brigas de naves ("pew pew" "pew pew"), que acho cansativo. É um filme mais calcado nos personagens que nos acontecimentos.

e é como falaram por aí (http://matias.blogosfera.uol.com.br/2016/01/06/o-desafio-de-fazer-as-pessoas-voltarem-a-acreditar-em-guerra-nas-estrelas/), o filme usa estruturas já conhecidas dos fãs, pra apresentar novos personagens e acontecimentos.

doggma disse...

E aí, Chico!

O problema não é usar a velha estrutura, mas repetir cada uma de suas mecânicas pontuais (resgates, fugas, raios da morte, velhos reclusos, etc). É como repetir o mesmo esquete 38 anos depois, com tanto a se apresentar de interessante no cenário pós-trilogia original. Mas claro que isso vai de cada um - os "oooun" "uooon" e os "pew pew" "pew pew" são algumas das minhas coisas preferidas na cultura pop inteira, rs - e o filme $em dúvida agradou a nova geração, que obviamente é o que J.J. se propôs a fazer.

Rapaz, tu sumiu... tá de casa nova? Divulga aí! Abração!

Chico disse...

Acho que o 2o e o 3o filme serão melhores. Eu particularmente não curto tanto Star Wars. Pra mim todo filme é igual, mas esse foi mais ágil que os demais. Acho que curti por isso.

Sempre leio aqui! Não lembro mais qual era o endereço antigo do blog. Já estou com esse daqui faz algum tempo: http://fubap.org/borae

doggma disse...

Curioso. Eu tinha esse url salvo, mas teve uma época em que só dava "blog não encontrado" ou algo assim. De qualquer modo, voltou pra barra dos blogs favoritos.

Ótimo que esteja na ativa. Os velhos anarquistas têm que se unir! rs

Chico disse...

o domínio fubap ficou um tempo fora do ar, agora tá tudo normal

aqui pra complementar teu texto: http://gizmodo.uol.com.br/star-wars-despertar-da-forca-nova-esperanca/