sexta-feira, 14 de junho de 2019

Música, Ídolos e Midani


André Haidar Midani
(1932 - 2019)

Não me estranha que a partida de André Midani, ontem, 13 de junho, tenha repercutido muito mais pela "grande mídia" do que pela "baixa mídia". Embora qualquer brasileiro acima dos 30 anos tenha vivido e respirado o trabalho de Midani durante toda a vida, a maioria nunca se deu conta disso. Ex-gigante da indústria fonográfica e incrivelmente low profile, Midani reinventou a história da música brasileira como um Forrest Gump tupiniquim. Tupiniquim sírio, mas brasileiro com honra ao mérito da malandragem e da boa lábia.

Uma enorme parte do que esse país já produziu em termos de música pop desde 1955 (!) foi por intermédio dele. Isso inclui não apenas discos e artistas, mas gêneros musicais, abertura internacional e modernização da indústria, mesmo com os inúmeros bloqueios da ditadura.

Falar do trabalho de André Midani com artistas é até demais pra comentar. Passou pelo seu crivo uma verdadeira constelação, indo de Tom Jobim, Elis Regina, João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Ben Jor a Tim Maia, Guilherme Arantes, Erasmo Carlos, Raul Seixas, Camisa de Vênus e quase todo o Rock Brasil dos anos 80. E isso nem é o começo.

Como leitor véio de publicações musicais, como a finada Bizz e qualquer Caderno Dois ao alcance das mãos, já conhecia o peso e a importância do nome Midani. Mas não tinha ideia do tamanho do peso e o tamanho da importância. Pelo menos até ler Música, Ídolos e Poder: do Vinil ao Download (Ed. Nova Fronteira), que ele escreveu e lançou em 2008.

Meu objetivo era pesquisa, pura e simples. Queria retroceder na timeline da música pop brazuca, até descobrir "o que havia antes". O que tocava no rádio. O que as pessoas cantarolavam por aí. O que era um hit do verão brasileiro no início da década de 1950, muito antes da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do Tropicalismo.

Como seria a figura de um popstar nacional daquela época? E o que acontecia ali que sobrevive até hoje, contra todas as probabilidades?

O livro me respondeu a todas essas questões e ainda me ofereceu uma visão muito mais ampla da indústria e, por que não, da essência do nosso país. Fora que é um belíssimo relato de uma vida plena e fora-de-série - se você não se emocionar logo nas primeiras páginas com suas memórias de criança se esgueirando por uma França sitiada pelos nazistas, é porque você tem um pedaço de barbante no lugar desse coração de gelo.

Até concordo com algumas críticas reclamando da excessiva discrição de Midani. Boa praça, no livro ele pouco se aventurou por algum caso mais polêmico envolvendo nossas queridas estrelas. Se tivesse contado 2% do que sabia e do que já viu em todas essas décadas de mainstream canarinho, provavelmente o palco iria desabar. De novo.

Mas a pegada é outra, igualmente recompensadora. E há poucas referências com tanto conhecimento de causa no que tange ao tino para os negócios.

Escolhi um trecho que serve como lição pra vida (especialmente dos sonhadores):

"Os danos que os tecnocratas estão causando à indústria fonográfica, ao cinema, à TV, às publicações, à Broadway e às empresas de publicidade têm que ser confrontados pelos líderes criativos de amanhã, antes que seja tarde. Terão que inverter o lema “lucros e criatividade” para “criatividade e lucros”. No entanto, para alcançar esse objetivo, deverão aprender a entender, e até gostar, do mundo das finanças para se tornarem presidentes de suas organizações, descobrir o prazer de estudar os balanços financeiros das suas empresas, ler através dos números e compreender o que significam. 
Richard Branson, os irmãos Weinstein, Ted Turner, Steve Jobs, Bill Gates, Larry Page, John Hegarty são alguns exemplos que podem servir de inspiração. Os líderes criativos vão ter que aprender a ser tão impiedosos quanto os tecnocratas, aprender o linguajar de Wall Street e convencer todo esse mundo de que somente a criatividade genuína e o planejamento a longo prazo levam a uma lucratividade segura e duradoura. Vão ter o desafio e a responsabilidade de inverter os papéis e conseguir que os tecnocratas trabalhem para eles, em vez deles trabalharem para os tecnocratas."

Descanse em paz, Midani. E obrigado por tudo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Perdemos dois grandes Andrés da música neste mês.

doggma disse...

Pois é. Cada vez que penso no Matos ou ouço sua música, fico ainda mais estarrecido. Muito jovem ainda, caramba.