quarta-feira, 26 de abril de 2023

A volta da Formiga Atômica


Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania dá sequência ao segmento mais Sessão da Tarde da Marvel Studios. E cumpre bem sua missão, diga-se. Em termos de escopo, dá até para afirmar que Quantumania é o Vingadores: Ultimato do Homem-Formiga. Paradoxalmente aos diminutos heróis e heroínas, no filme tudo é diverso e grandioso. A grande referência do diretor Peyton Reed certamente foi o universo de Star Wars, com seus diferentes mundos, espécies e culturas. O que, ao pé da Marvel, pode e deve ser traduzido como histórias a perder de vista. O trocadilho ruim vai de brinde.

Uma impressão que tenho desde Homem-Formiga, de 2015, e intensificada por Homem-Formiga e a Vespa, de 2018, é da extrapolação deliberada dos limites do personagem. O universo subatômico sempre foi muito mais o métier de sua contraparte da DC, o Eléktron — no original, "Atom", cuja estreia nas HQs se deu 3 meses antes, em outubro de 1961. Quarks me mordam se isso não foi mais uma roubada de bola da Marvel nos cinemas.

Para compensar, a DC chegou primeiro na Atlântida...

Mas o maior feito de Quantumania talvez tenha sido o de arrumar a casa depois do evento Ultimato. E o formigão Scott Lang, por incrível que pareça, teve muito a ver com tudo aquilo. Foi na cena pós-créditos do 2º filme que ocorreu a primeira resposta cronológica ao Estalo de Thanos no final de Guerra Infinita. O que acachapou o público que não lê gibi e não está acostumado com essas coisas.

Além disso, o Homem-Formiga foi o fio condutor do épico que concluiu a fase 3 do Universo Cinematográfico da Marvel. O que acachapou o público que lê gibi e está acostumado com essas coisas.

A premissa é a pura fórmula Disney. O herói está curtindo uma idílica vidinha de subcelebridade, o relacionamento com Hope, a Vespa, é sonho de uma noite de verão, a filha Cassie está com 18 e os sogros Hank Pym e Janet van Dyne estão finalmente reunidos. Tudo está às mil maravilhas até que um experimento suga todos para o Reino Quântico. Ao contrário do lugar estéril e asséptico que imaginavam, eles se deparam com um mundo repleto de vida, com tecnologia avançada e dominado por um tirano. Também descobrem que Janet esteve bastante ocupada nos 30 anos que passou no exílio quântico.

A versão disso com fidelidade aos quadrinhos é o sempre divertido Querida, Encolhi as Crianças, de 1989, onde ninguém fica menor que saúvas.


Primeiro e mais importante: é a estreia cinematográfica de Kang, o Conquistador. Arqui-inimigo jurássico e juramentado dos Vingadores e complexo até a medula para adaptar. Só com uns 15 anos de cronologia obsessivamente coesa de filmes e séries interligados isso seria possível e, olha só, a Marvel tinha o pacote completo.

Aliás, o termo "cronologia" é deveras adequado para um personagem que reescreve a sua própria o tempo todo. Kang não tem uma vida linear. Tem infinitas versões de si mesmo em vários pontos do tempo e do espaço e, tecnicamente, é impossível de ser morto. Seus doppelgängers não são flor que se cheire — os mais bonzinhos são completamente loucos, como Aquele que Permanece, o mágico por trás da 1º temporada de Loki (?reliops, spo). E o Kang de Quantumania é vilão por excelência, numa muito boa atuação do figura Jonathan Majors.

Deve ter feito um laboratório excepcional. Ou se baseado em alguma experiência própria, sei lá.

É sempre um prazer ver veteranos abarrotando suas contas bancárias enquanto se divertem em cena. É o caso de Michael Douglas e Michelle Pfeiffer, novamente em ação num filme pipoca. Até Bill Murray comparece num cameozinho pra lá de manjado. Duvido que os três tenham se acostumado a contracenar com o vazio absoluto num imenso set verde. E duvido que tenham sequer arranhado o resultado final das cenas após o tratamento digital. Mas não duvidaria se me dissessem que é o filme da Marvel com a maior quantidade de CGI já produzido.

Felizmente, a textura artificial não me incomodou nem um pouco. Veremos daqui a uns anos.

A Vespa/Hope de Evangeline Lilly continua doce, carismática, corajosa e proativa, embora em nada lembre a igualmente doce, carismática, corajosa e proativa Vespa das HQs — que era a Janet, por sinal, e faça um favor a si mesmo e (re)leia a deliciosa Homem-Aranha #84, da Abril. Em relação aos filmes anteriores, ela teve menos espaço desta vez, porém a melhor sequência de ação F/X, a da "Tempestade de Probabilidade", é co-protagonizada por ela.

Kathryn Newton é a terceira atriz a dar vida à Cassie Lang. Pessoalmente, havia gostado da breve atuação de Emma Fuhrmann em Ultimato, que é cinco anos mais nova que a Newton, inclusive. Vai entender. O fato é que a Cassie 1.8 é uma jovem adulta ainda com uma aborrescência vestigial correndo nas veias. Mas vem do ativismo dela algumas infos importantes sobre o caos social causado pelo Blip, como o aumento calamitoso da população de sem-tetos após o retorno dos 50%.

E mais uma vez me pergunto quando a Disney+ vai bancar uma série Marvel protagonizada por pessoas comuns, como nos quadrinhos Damage Control, The Pulse e Código de Honra. Seria ideal para abordar esses aspectos mais sociais e mundanos.


O filme também presenteia Paul Rudd com as melhores deixas dramáticas da série até aqui. Nunca vi Scott tão desesperado e com sangue nos olhos. A cena em que Kang precisa quebrar o herói para coagi-lo a obedecer até é previsível, como tudo no filme, mas espetacular pelo nível da troca entre Rudd e Majors. É um ator brilhante e o melhor comediante do MCU, fácil. Paul Rudd merece o mundo. Mesmo que seja o subatômico.

O grande problema de Quantumania está mesmo no excesso de convenções do roteiro de Jeff Loveness (de Rick & Morty e diretor do próximo filme dos Vingadores). Isso vai desde o exército de Kang, composto por sub-Stormtroopers ainda mais incompetentes, até o deus ex machina do final que deu para telegrafar nos primeiros cinco minutos do filme, sem brincadeira. Do lado positivo, não derrapa nas regrinhas básicas de storytelling e consegue criar mais atalhos para ideias da... Casa das Ideias.

O resgate da guerreira Jentorra, papel de Katy O'Brian, foi um desses. Jentorra é do mundo subatômico K'ai e sobrinha da saudosa Rainha Jarella, que a partícula de Deus a tenha. Penso também em possibilidades como os Micronautas de Michael Golden e Bill Mantlo, mesmo originários de uma linha de brinquedos hoje moribunda.

Fora o Quarteto Fantástico, com filme marcado para 2025 e que tem tudo a ver com esse contexto de "Família Sci Fi" X pseudociência pop.

E precisamos falar sobre o M.O.D.O.K. — ou Mecanorganismo Operacional Destinado à Ocisão e Carnificina, na versão pt-br atual. Admiro a coragem, mas esse ícone da bizarrice Kirbyana não foi feito para funcionar fora dos quadrinhos. Ao menos não a sério. No filme, nunca passa da galhofa, porém, rende a boa piadinha com o acrônimo e a sua última cena, que me fez rachar o bico com gosto.

Fazer o quê. Sessões da Tarde têm dessas coisas.

Ps: rolam duas cenas pós-créditos. Ambas relevantes. 🐜 🐜

4 comentários:

Alexandre disse...

Eu gostei do filme, tudo bem que fui com ZERO expectativa, ainda traumatizado pelo fundo de poço que foi Love & Thunder.
Gostei do filme, mas em termos de paralelo com as HQs, é uma forçação de barra aceitar que Scott bateu e derrotou Kang, principalmente no mano a mano. Deram um upgrade considerável nele, mas momentos como o que ele chega a cidadela gritando "KANG" (Star Trek Feelings...) foi sensacional. Com um pouco de descrença e esquecendo o que já foi feito nas HQs, dá pra curtir bem.
Teve galhofa e momento de vergonha alheia, mas bem reduzido em relação aos últimos filmes.
Achei que é um começo de retomada, mas agora, com a pisada de bola do Majors, corre o risco de tudo vir abaixo, com recast ou mesmo revisão de toda a fase.
As cenas pós crédito foram sensacionais.

doggma disse...

Também assisti com expectativa 10 NEGATIVOS, Alexandre. Só esperava algum escapismo com fanservice marvete e foi o que entregaram. Ao contrário da bagaceira que foi Amor e Trovão.

[SPOILER]

Mas o Scott levou uma KANGaçada ali, não? Se a Hope não tivesse voltado...

[/SPOILER]

O lance do Majors foi uma bomba jogada no colo da Marvel. Nem imagino o que farão. Chuto uma retratação seguida de um trabalho de recuperação de imagem do cabra. Ou, na pior, o recast.

Mas estou na pilha para a 2ª temporada de Loki. Foi meu produto favorito dessa fase ruim.

Abração.

Marcelo Andrade disse...

Salve Dogma! Essa trilogia foi uma das que mais curti. Ela e simples, n e forçada e da para dar boas risadas. Esse terceiro filme em espacial me agradou um bocado. A cena final da virada me agradou + ainda ja que vi por um relance o Pym dos quadrinhos e do porque ele e um dos maiores cerebros da Marvel.
O Kang esta identico aos quadrinhos, foi de encher os olhos literalmente ja que seu amigo aqui n tem expectativas de fidelidade ja que são anos de historia e poucas pessoas comprometidas em pelo menos levar os miseros 75% as telas para os fãs ja que mesmo que os cinemas abarrotem cabe lembrar que uma maioria ali são de pessoa que leem quadrinhos e isso nunca vai ser levado em conta...infelizmente. Que venha mais perolas como essa.

doggma disse...

Fala, Marcelo!

"Essa trilogia foi uma das que mais curti. Ela e simples, n e forçada e da para dar boas risadas."

Mesmo sentimento aqui. É um projeto feito para entreter. Até há aspectos negativos nisso aí, mas os positivos são bem maiores.

A cena final da virada foi legal mesmo, apesar de bem previsível. Deus ex machina do bem.

Sobre os frequentadores de cinema, temo que seja o contrário: a esmagadora maioria sabe lhufas de quadrinhos (ou apenas superficialmente). É outro público, outro segmento. E os estúdios sabem disso.