segunda-feira, 4 de março de 2024

“Celebrando a vida através da morte”


Foi um início disputado aquele da revista Superamigos, da Abril. Os Novos Titãs de Marv Wolfman e George Pérez, o Esquadrão Atari de Gerry Conway e José Luis García-López, o Batman de Steve Englehart e Marshall Rogers, o Guerreiro de Mike Grell e outros menos cotados. E entre esses menos cotados, um dos quadrinhos que mais me impactaram naqueles tempos de gibizeiro de várzea: o Arqueiro Verde de Mike W. Barr e Trevor Von Eeden. Foi meu primeiro contato com o personagem.

A minissérie em 4 partes foi publicada em Superamigos #6-9 (out/1985 – jan/1986). Saiu lá fora pouco antes, em 1983 e marcava a reestreia do vigilante RobinHoodiano após sua parceria com o Lanterna Verde na histórica fase Denny O'Neil/Neal Adams – talvez o símbolo máximo da Era de Bronze da DC.

Por incrível que pareça, foi a 1ª vez que o Arqueiro ganhava um título próprio desde a sua criação, em 1941. Por tudo isso, poderia ter se tornado um ponto de referência na cronologia do herói e também dos comics da época. Mas, pelo contrário, rapidamente submergiu numa quase total obscuridade. A HQ é pouco comentada por aí e nunca sequer foi compilada pela DC. E olha que eles compilam tudo.

Parte disso, provavelmente, se deve ao lançamento de Ronin na mesma época e do Monstro do Pântano de Alan Moore dali a cinco meses, eclipsando o que quer que fosse àquela altura. Mas não só. Revisitando mais uma vez as edições, saltam aos olhos as perspectivas ousadas, pero herméticas, de Barr e Von Eeden.

É um quadrinho fácil que não se vende fácil.


Na trama, Oliver Queen é convidado para a leitura do testamento de Abgail "Abby" Horton, uma velha amiga de seus tempos de garotão playboy. Para surpresa da família, Abby deixa quase toda a sua fortuna para Ollie, além do controle acionário de seu império, a Horton Química. E para surpresa de ninguém, ele começa a sofrer uma série de atentados, inclusive com a participação de supervilões contratados.

Relutante a princípio, Ollie decide assumir a presidência da empresa para investigar de perto a morte de Abby e o possível envolvimento de seus suspeitíssimos filhos, genro e irmão. Como esperado, acaba descobrindo que existe algo de podre no reino dos Horton.

Se a premissa básica gira entre um novelão do Gilberto Braga e um thriller de Supercine, ela também tece um cenário perfeito para ilustrar a relação entre Ollie e Abby. É uma amizade genuína, doce e bonita de ver, mesmo que em breves flashbacks. Ao mesmo tempo, é a deixa para o roteiro explorar o homem por trás da máscara.

Na verdade, esse é o alvo principal de Barr durante a mini: o próprio Oliver Queen.


Oliver Queen em dia de Frank Castle... pobre Conde Vertigo

Ao levar o Caçador Esmeralda a uma cruzada pessoal, o escritor atualiza seu papel dentro de seu próprio mythos, agora um tanto afastado das ideologias e causas sociais. Há uma ou outra observação sobre a ineficiência do sistema carcerário, um relance solitário de sua dupla com o Lanterna e parou por aí.

Barr se mostra um aficcionado pelos estertores da Era de Prata, conduzindo a história com uma pegada amadurecida daquele período. Só assim para explicar a participação, na reta final, de um vilão tão flamboyant quanto o Capitão Chibata (Cap'n Lash) – ao que consta em sua 1ª e única aparição, com a benção de Jack Sparrow.

Mesmo os eventuais roteirismos, como o fato de (quase) ninguém reconhecer o Oliver por trás de uma mascarazinha dominó e suas trocas de roupa mais rápidas que as do Billy Batson, parecem mais deliberados do que qualquer coisa. Para Barr, não havia nada a ser reparado – no máximo, ajustado – e absolutamente nenhuma Crise seria necessária...

...se é que ele sabia que viria uma muito em breve. E se sabia, passo a admirá-lo ainda mais pela audácia.

O traço de Von Eeden abraça a proposta com som e fúria. Esteticamente agradável, mas longe de oferecer uma narrativa visual comportada. O que não o impede de criar, com o nanquim contido e inteligente de Dick Giordano, instantâneos de sequência-espetacular-do-herói-em-ação.


Não canso de declarar meu amor pela splash page que abre a última edição. É um nirvana de fetichismo super-heróico.

Na maior parte do quadrinho, porém, Von Eeden é pura combustão. Seus entre quadros fluem do convencional ao fragmentado extremo, em sincronia passional com o texto. Em alguns momentos, a sequência de quadros é retorcida ao máximo, com a leitura se dando em modo reverso, tal qual um mangá. O artista, talvez ainda sob efeito de sua porralouquíssima série Thriller anterior, afunda o pé no acelerador sensorial e arrasta junto o leitor para a sua good/bad trip.

É um mestre. Um mestre difícil e caótico, mas ainda um mestre.


No final, após um confronto em alto-mar (com um cameo criminosamente curto da Canário Negro) e das reviravoltas na trama, uma singela cena com Ollie homenageando a memória de sua querida amiga. Sem tristeza ou ressentimentos, apenas amor e gratidão pelo tempo que passaram juntos. É um grande final e fico feliz por Abby nunca ter retornado de seu merecido descanso.

De certa forma, o fato deste recomeço ter sido descontinuado no éter protegeu a aventura das vicissitudes mundanas da indústria dos comics.

Um brinde a isto!

4 comentários:

Chico disse...

Que demais a splash page!

doggma disse...

Imagina o moleque de 8, 9 anos abrindo um gibi novo e vendo isso.

Marlo de Sousa disse...

Cheguei tarde em Superamigos, pouco antes da Crise, quando o Monstro do Pântano de Moore/Totleben já derrubava queixos.

"Capitão Chibata" seria piada pronta aqui na Bahia, visto que o termo "chibata" é um dos que designam o "genival" masculino. =D

doggma disse...

Putz, valeu pela dica de baianês. Não sabia desta. E se pensar que o Capitão teve a sua chibata literalmente desintegrada por ácido... eita!

Gostei do MdP logo de cara. Nem sabia quem era Alan Moore, mas o clima das histórias lembravam os gibis baratinhos de terror que saíam na época. A arte era um espetáculo. Vivia copiando aquela splash do Etrigan saltando da janela. Conhecia cada tracinho de cor.

Em contrapartida, quando a Crise chegou na Superamigos não entendi nada e achava aquilo tudo chato pra danar. Larguei a revista (até porque o $$$ era curtíssimo) e fugia de qualquer gibi que viesse com aquela tarjinha explosiva no canto da capa.

Era um moleque, ainda. Depois tomei tento. :P