Como tudo na vida, se pararmos um pouco para reparar nas coisas e elementos ao nosso redor, perceberemos que tudo segue um tipo de padrão de funcionamento regido por conceitos que inconscientemente todos entendemos como normais ou coerentes. Não... não é influência de Pi. Na verdade é uma idéia até meio batida segundo o conceito de inconsciente coletivo propalado pelos junguianos de plantão, mas que nem precisa do nome bonito, pois todo mundo sabe disto por experiência.
Só escrevi este primeiro parágrafo porque não sabia como dar uma amenizada na introdução deste post, então enchi lingüiça com idéias que até fazem sentido, se tivermos boa vontade e usarmos para suporte do texto abaixo.
O mundo das HQs possui algumas verdades absolutas que permeiam cada um dos arquétipos típicos do gênero. O vilão padrão de renome não respeita seu arquiinimigo, não mede esforços para ter o que quer e não respeita quaisquer obstáculos morais. O vilão honrado, ao menos, respeita o oponente e reconhece seu valor e papel no equilíbrio (ou desequilíbrio) das coisas. O mentor é o sábio que não se envolve, salvo momentos especiais. O anti-herói é aquele que aponta pro lado certo, mas também não tem escrúpulos e, finalmente, o herói clássico tem caráter ilibado, retidão moral e, principalmente, não mata. Mesmo que seja um psicótico como o Batman.
Quanto mais tomamos esta verdade como absoluta e colocamos frente a frente com o modus operandi de cada personagem, mais reforçamos o estereótipo em casos como o do Homem-Aranha, cujo perfil contrapõe o aspecto sombrio do morcego e gerou o apelido inapelável de "Amigão da Vizinhança". Não sei como as pessoas reagem ao rótulo, mas curiosamente tenho tendência a gostar mais das histórias do aracnídeo onde lida com caos, senso de morte e confusão do que os "bateu-levou" costumeiros e mais rasos. O arco da Morte de Jean DeWolff – já abordado aqui -, o início da carreira de Venom como antagonista (antes de virar piada batida), o arco onde Morlun faz Peter ralar para sobreviver na estréia de Straczinsky, Tormento e alguns outros estão nesta lista, mas se tem algo que merece uma abordagem destacada é Maré Alta, co-protagonizada por Wolverine.
Esta história foi publicada aqui na revista Homem-Aranha #94 (Spider-Man versus Wolverine #1, no original), especialmente com 100 páginas, não me lembro em que ano, mas publicada nos EUA em 1987. Curiosamente a capa da edição tupiniquim é muito melhor que a americana, mas certamente o formato original honrava mais a qualidade da história do que nosso clássico formatinho-papel-de-pão.
Nesta época o baixinho não tinha o apelo comercial que tem hoje, passava pela fase do uniforme marrom e amarelo e tinha seu primeiro de muitos encontros com Peter. Ouso dizer que, dentre os vários encontros destes dois, nenhum teve a qualidade do primeiro. Talvez contando um pouco do que acontece – e adianto que há spoilers – dê para entender o porquê desta qualidade.
Diferentemente dos encontros que vieram na esteira do sucesso de ambos os personagens – principalmente a assustadora popularidade que Logan ganhou com o passar do tempo, já que o Aranha já era o carro-chefe da editora – esta destaca-se por ser uma edição que mantém laços com a cronologia normal dos heróis, como visto com Ned Leeds, além da ótima exploração dos incrementos motivacionais próprios da personalidade de cada personagem, com o acréscimo de um terreno neutro cuja história factual, ao ser misturada à fantasia dos super-heróis, destaca interesse imediato. Some-se a isto a quebra do paradigma exposto no terceiro parágrafo e o melhor embate entre estes dois personagens já visto, fora do batido "mal entendido que depois os força a unir forças".
A título de comparação, os encontros subseqüentes – e coloco no mesmo saco até aquele com o Wendigo e o mais recente, onde passeiam pela Europa – não apresentam um quinto da inventividade do primeiro, além de serem totalmente destacados da cronologia, com roteiros que não exploram os perfis característicos dos personagens de forma mais profunda do que o embate óbvio do "piadista vs cara-cujos-fins-justificam-meios". Ou seja, linearidade pura e caça níqueis.
A história, escrita por James C. Owsley e desenhada por Mark Bright na época em que Ann Nocenti – uma das melhores roteiristas de Demolidor – era editora da Marvel, mostra uma agente free-lancer – mercenária, tirando o eufemismo – que ficou marcada para morrer pela KGB. O problema é que ela teve um romance com Wolverine no passado e ele não mede esforços para evitar a eliminação da antiga marmita. Aliás, o que este cara teve é tempo para arrumar mulher... impressionante. Voltando... a ação é levada para Berlim oriental, onde também estão Peter Parker e Ned Leeds procurando informações sobre a mercenária para uma matéria do Clarim. No meio do processo Ned é assassinado e força Peter a buscar respostas, acabando envolvido no problema de Charlemagne, a agente procurada.
O roteiro vai levando Peter direto para o esgotamento psicológico, refletindo claramente em seus reflexos e impressões sobre o que vem acontecendo ao seu redor. Enquanto isto, Wolverine trafega pelo seu ambiente natural onde a morte é uma constante o que leva os heróis ao embate inevitável. E é neste embate que a diferença entre os dois fica clara, reforçada ainda pelo contexto da luta, e pela primeira vez o Aranha mata. Escrever mais é tirar a graça da leitura.
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PELAMORDEDEUS PASSEM LONGE
Um adendo de última hora ao post. Conforme prometido, peguei filmes sem muitas reflexões para ver neste fim de semana. Só não sabia que minha competência para escolher filme descerebrado era tão descarada. Peguei Capitão Sky e o Mundo do Amanhã (Captain Sky and the World of Tomorrow, 2004) e Alone in the Dark (idem, 2005). O primeiro é apenas ruim, insosso e sem graça, mas o segundo revela um dom inato do diretor Uwe Boll de estragar o que toca, numa espécie de toque de Midas reverso. Detalhe: Não é apenas um toque de Midas reverso. É um toque de Midas reverso e temático, pois o cara cismou que deve adaptar jogos de videogame e já tinha cometido a mesma atrocidade com House of the Dead (2003) e vai ainda perpetrar esta desgraça em BloodRayne (a gaja com pouca roupa que fica aqui nesta coluna ao lado).
Pelo menos na próxima atrocidade poderemos olhar para a magavigosa Terminatrix Kristanna Loken (e ainda tem o cool Michael Madsen, Ben Kingsley e Michelle "Macho woman" Rodriguez... será que estão dopados?). Em Alone só tem a eterna promessa Christian Slater amargando a entressafra ad continuum de sua vida. Ruim demais. Furos demais. Idiota demais. Cena de sexo sem sentido sem graça demais. É a agência governamental de controle de atividades paranormais com o maior orçamento que já vi (tive pena de Scully e Mulder).
Enfim... ao final do filme meu irmão perguntou-me que nota eu daria, de 0 a 10. Respondi 3 e ele perguntou se era por causa dos efeitos. Respondi que não (afinal, os monstros são claros cruzamentos de Alien com aquele bicharoco de Resident Evil). O três deve-se às risadas que dei durante o filme. Ta certo que não era o objetivo, mas ri assim mesmo.
Como não resisti, peguei também Os Sonhadores (The Dreamers, 2003). Merece um post sem dúvida!
Parafraseando Doggma e o pessoal do OMEdi, post ao som do grito de gol do Gabriel contra o Corinthians!!
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