sexta-feira, 17 de junho de 2005

P. T. ANDERSON É REI



Magnólia (Magnolia, 1999) não é um filme unânime. Não há quem seja indiferente. Ou a pessoa adora ou odeia. Eu adoro.

Desde o começo percebe-se que é um filme atípico. Uma seqüência de acontecimentos que beiram o absurdo têm sua condição de coincidência posta em xeque, reforçando que em um universo crê-se que o acaso pode ser uma regra, as possibilidades são infindáveis. Este início poderia ser encarado como um prefácio de um livro, tal a forma como resume as idéias do todo. Magnólia poderia ser classificado como uma obra religiosa. Não uma obra religiosa ortodoxa, destas que esbarramos por aí, mas uma obra religiosa moderna, que usa de símbolos e rotinas do dia-a-dia de qualquer um para mostrar o quanto nós estamos sujeitos à ira divina, caso continuemos olhando para nossos umbigos. Diversos exemplos destas rotinas são mostrados e, se não conseguirmos encaixá-los em nossas próprias vidas, certamente conhecemos alguém que passa por isto: o homem formado e frustrado que fora um garoto brilhante, um bem sucedido profissional com pecados que destruíram sua família, o bom homem solitário cuja profissão o faz entrar em conflito com o que acredita, a mulher aproveitadora, o filho que usa os defeitos do pai para justificar os seus próprios etc. Tudo de uma só vez. Tudo tomando proporções bíblicas em um único dia.




O responsável pelo cruzamento destas histórias chama-se Paul Thomas Anderson. Dentre todas as nuances da vida mostradas no filme, destaca-se a capacidade que o ser-humano tem de julgar o próximo. O filme inteiro é baseado em julgamentos, com a direção competente que manipula os espectadores a ponto de encontrar-me também julgando fervorosamente as personagens que observo, apenas para, depois, perceber o quanto sou injusto e incapaz de julgar apropriadamente, já que nunca conhecemos todo o cenário. O tempo todo é possível olhar para si mesmo e ver quantas vezes já não fizemos o mesmo por aí. Uma frase da personagem de Tom Cruise, machista convicto, ao ter sua personalidade falsa desmascarada e ser indagado a respeito choca ao trazer para o mundo das palavras aquilo que sempre é sentido sem perceber:

"O que estou fazendo? Estou te julgando silenciosamente."




Não é só isto. A maestria como o diretor consegue interligar os fatos ocorridos e emoções sentidas durante o filme faz com que as frases de um se encaixem na vida de outros, como quando o homem que outrora fora uma celebridade infantil ouve que "é perigoso ver crianças como anjos", ao passo em que em outra 'vida' esmiuçada, um garoto é tratado exatamente assim.

Esta seqüência de julgamentos e o passeio que as personagens fazem por quase todos os pecados capitais – destaque para Avareza, Soberba, Luxúria, Ira e Inveja – geram no espectador um sentimento de angústia, fazendo-nos sentir o que aquela série de personagens também sentem, e levam o filme a um clímax que, para muitos, é surreal (e é mesmo), mas é um fecho com chave de ouro, seguido ainda de uma narração em off do policial – o único que, em tese, poderia julgar e não o faz – cujas palavras ecoam na mente por mais meia hora depois que as 3 horas de filme terminam.




Dica: Procurem perceber as variadas ocasiões em que os números 8 e 2 surgem no desenrolar do filme, principalmente no início. Depois recomendo a leitura de uma parte da Bíblia, o Êxodo 8:2. É curtinho, três linhas, não se cansará. Para ajudar, listo abaixo todas a vezes que os números aparecem no filme (peguei no IMDB). Arraste o mouse para ler.

Previsão do tempo: 82% de chance de chuva;
Um jogador precisa de um 2 no blackjack, mas ganha um 8;
O formato das cordas quando o garoto se joga do prédio;
A primeira leitura de temperatura;
O pôster na TV mostra a audiência;
O pôster de um filme num ponto de ônibus na Magnolia Boulevard;
O cartaz dos condenados ao enforcamento;
Número da caixa de correio de Jim Kurring's no tele-encontros;
O número do apartamento dos pais de Sydney Barringer é 682;
A convenção de ciências começa às 8:20;
Delmer Darion vira algumas cartas para mostrar o 8 e o 2 de ouros;
Logo depois de Jim Kurring ver Donnie Smith escalando o prédio, pode-se ver rapidamente um símbolo à beira da rua que diz "Exodus 8:2" (visível novamente quando os sapos caem e acertam o carro de Kurring);
O número do avião dos bombeiros;
Na foto da detenção de Marcy, seu número de registro é 82082082082;
Na cena do bar há um quadro de giz com dois times, o sapo e as nuvens, o placar está 8 a 2;
Spray pintado no cimento como graffiti perto do garoto;
Uma pessoa na platéia do game show segura um cartaz com Exodus 8:2 escrito;
As crianças estavam a dois dias de ficarem 8 semanas como campeãs;
O quiz kid Donnie Smith ganhou seus 100.000 dólares em 28 de abril de 1968;
Os dois primeiros números do Seduce and Destroy Hotline (1-877-TAME-HER) são 82;
Um dos homens enforcados tinha o 82 nas roupas.


Passando para a parte técnica, o diretor desenvolve um trabalho exuberante. Antes de Magnólia, PT Anderson já gozava de certo reconhecimento por Boogie Nights (1997) - sobre o qual não posso opinar pois não vi. Entretanto, vi Embriagado de Amor (Punch Drunk Love, 2002), onde consegue fazer Adam Sandler atuar. Sabemos que, dentre as funções de um diretor, tentar extrair o melhor de seus atores é o básico, o que faz-me concluir que este é um dom destacável de Anderson. Tom Cruise - ator mediano em minha opinião - consegue sua melhor performance na carreira, com um personagem intenso e complexo na medida correta. Destaca-se em um filme onde todos os personagens conseguem ser tridimensionais, coisa dificílima e rara principalmente com diversas histórias e em uma mídia cuja exposição flutua entre 2 e 3 horas apenas.




Destacam-se ainda Julianne Moore, esposa infiel de Earl Partridge, e Philip Seymour Hoffman, o enfermeiro gay e consumido em culpa do magnata.

A propósito, caso esteja divagando sobre o porquê de o filme ter o nome de Magnólia, é este o nome da rua onde quase todos os eventos acontecem ou onde os personagens moram e em quase todas as locações do filme há pinturas ou fotos da flor homônima.

A propósito²: Não há legendas nas fotos porque simplesmente acho que são auto-explicativas.

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