terça-feira, 7 de novembro de 2006

E.R. PUNK


Recentemente meu empregador promoveu um retorno às origens do BZ, honrando o Z do título mais do que nunca e fazendo valer o “Cada dia mais sujo e agressivo” de uma forma que até já tinha esquecido como era. O negócio está tão punk que, se agora fizesse um review de um filme tipo “Babel”, por exemplo, não me surpreenderia se a cabeça do post anterior virasse um morto-vivo digital, escalasse o blog e devorasse o “texto cabeça” sem dó nem piedade. Como não sou trouxa nem nada, vou seguir a tendência e chafurdar no sangue, tripas, fraturas expostas, eviscerações e afins, tipo da coisa que abunda em Jogos Mortais 3 (Saw III, 2006 – EUA).

Antes de entrar na questão central, acho que vale explicitar as verdades absolutas criadas pelo primeiro filme e que são a base da série. John Cramer (Tobin Bell) é um paciente terminal de câncer que tem apreço explícito pela vida. Ao perceber que como as pessoas sadias não dão valor às suas existências, resolve fazê-las provar o reconhecimento da dádiva que Deus lhes deu e as insere em jogos onde, se quiserem mesmo sobreviver, precisarão passar por provações. Se não mostrarem realmente sua determinação, a vala é certa. Ponto. Ou seja, a galera está no inferno, mas tem como sair dele, o que gera o tipo de conceito torpe de que Jigsaw – John Cramer – não mata ninguém, todos morrem por conta própria (mas seqüestra, mutila, violenta psicologicamente e desfila por todo tipo de crime de qualquer código penal do planeta). Transferência de responsabilidade igual só vejo em carolas...


O primeiro filme define esta regra, o segundo a segue. Por mais que o interesse mais fisiológico de Jogos Mortais, no gosto da maioria,recaia justamente sobre as mortes, eu particularmente atentava muito mais para a engenhosidade não só dos apetrechos que Cramer montava, mas principalmente pela forma como ele planejava todo o desenrolar dos eventos. Cerebral demais, franco demais, ousado demais e abusado demais. Foi isto que fez-me colocar sua figura no meu panteão pessoal de grandes psicopatas do cinema, junto de Hannibal Lecter e John Doe.

Como mencionei quando escrevi sobre Saw II, uma idéia reconhecidamente original no cinema, quando ganha continuações, dificilmente consegue ser revista sem parecer que é a mesma coisa, normalmente caindo no lugar comum já estabelecido. O segundo filme caminhava a largos passos para isto até chegar ao final, quando conseguiu desdenhar de si mesmo e ganhar constituição com força própria, sem abrir mão da idéia básica. Criou, inclusive, novas verdades absolutas que complementaram as que já vigoravam. Poucas vezes vi uma continuação de filme que conseguisse ser tão fluida em relação ao primeiro, mas os elementos ressaltados ao final deixavam claro que a idéia estava se esgotando e a óbvia terceira parte teria que se desdobrar. Até que não errei tanto.


O terceiro começa onde o segundo parou. Segue pela apresentação já clássica de ocorrências de Jigsaw (que deve ter uma pensão por invalidez suntuosa, dado o estilo de sua nova oficina) pela cidade e depois se dedica ao foco de sua trama. Ele está à beira da morte e sua discípula (Shawnee Smith - eu pegava fácil) o auxilia a partir de então - passagem de bastão clássica. Um novo jogo toma lugar. Jeff (Angus MacFadyen) é um pai de família atormentado desde que perdeu o filho em um acidente e agora protagoniza uma armadilha. A diferença é que também temos uma médica (Bahar Soomekh - pegava mais fácil ainda) com casamento em crise que protagoniza paralelamente outro jogo, onde ela tem que manter Cramer vivo até que Jeff complete, ou não, sua via crucis.

De cara percebemos que a massa desandou de alguma forma, já que algumas das regras estabelecidas nas verdades absolutas que vimos acima são quebradas (tagline do filme: “Às vezes as regras existem para serem quebradas”). Além disso, Jigsaw nunca demonstrou o tipo do orgulho de quem se regozija ao contemplar o fim de sua obra a ponto de seqüestrar uma médica com o único compromisso de mantê-lo vivo até o fim de seu projeto. Assim como o segundo, o desenrolar do filme aponta para o banal, só dando lugar à engenhosidade que tanto admiro lá pelo final. Se repetir esta fórmula é cansativo demais até para o fã da série, qual a alternativa então? Recheá-la com a maior quantidade possível de imagens chocantes, daquelas que entorpecem o cérebro à ponto de, quando estamos voltando ao estado normal, vir outra seqüência destas para te deixar bobo de novo. Lembro que algumas pessoas classificaram o primeiro de desnecessariamente violento. Outras disseram que o segundo foi bem mais violento e gratuito. Mermão... este terceiro é tão gratuito que só falta distribuir Bolsa Família! Em alguns momentos o choque é sonoro, como uma cena inicial que me lembra muito a cena do extintor de Irreversível (que, acho, foi a cena do cinema que mais me chocou até hoje), em outras o choque vem do asco - com os porcos, em outras chega a ser didático - como um E.R. grotesco, mas em sua grande maioria a coisa é visceral mesmo, tem até humor involuntário (“Esta máquina é a minha preferida”). Curioso notar como o próprio diretor parece ter percebido que a opção pela violência mais crua servia apenas a preencher o miolo do filme, já que o nome da médica responsável por manter Jigsaw vivo, Drª. Lynn Denlon, é referência óbvia ao nome do diretor e à sua própria missão. Há de convir que Darren Lynn Bousman é foneticamente bem semelhante ao nome da personagem. De certa forma, creio que a opção por cenas mais pungentes funcionou, como diriam os três caras que passaram mal em Londres durante uma exibição, já que o expectador fica numa montanha russa onde é poupado em pouquíssimos momentos (aqueles onde o diretor pensa “Pô... tá bom... assim já é demais”), mas tenho certeza que o DVD deve vir mais, digamos, recheado!


Mesmo com esta enrolação, Jogos Mortais III é bom. Não tem a genialidade do original, mas é melhor que o segundo e seu grande mérito vem da regurgitação que faz de eventos dos dois anteriores, atando todas as pontas soltas, deixando a estória redonda, bem completa e dando dimensão maior para o conjunto da obra do que cada uma delas têm independentemente. Desta batelada de filmes que se auto-intitularam trilogias, e não vi por aí Saw sendo classificado assim, a série é uma daquelas que realmente mostra fechar um ciclo em três filmes, mesmo que deixe óbvio que vem um quarto. Fiquei com a impressão que o todo seria melhor "saboreado" se os três filmes fossem vistos de uma só vez, considerando que os eventos são bem imbricados.

Por mais que seu diretor seja listado como parte do Splat pack (nova onda de diretores de filmes de horror extremamente violentos – os outros seriam Alexandre “Haute Tension" Aja, Neil "Abismo do Medo” Marshall, Greg “Wolf Creek” McLean, Eli “O Albergue” Roth, James “Saw" Wan e Rob "Rejeitados pelo Diabo” Zombie), na minha opinião a série não pode ser classificada como terror, nem thriller, nem suspense, nem policial. É algo que navega no meio disto tudo, numa classificação à parte, própria. Conseguiu isto usando sempre atores desconhecidos ou amargando ostracismo (Glover, por exemplo), a maioria deles recrutados em séries, o que destaca ainda mais a importância do roteiro em detrimento dos astros. Só isto já é motivo suficiente para ter futuramente os três DVD’s na prateleira.

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