sábado, 20 de novembro de 2010

O culto à Grande Abóbora


Jim Martin - Milk and Blood
(Steamhammer, 1997)

"Big" Jim Martin era o cara esquisitão do Faith No More. Guitarrista virtuoso (o quanto é possível sem resvalar no shredding), famoso tanto pela pegada setentista quanto pela juba nohawk e os indefectíveis óculos de aro vermelho. Discreto e nem de longe a primeira opção para entrevistas, sempre aparentou indiferença ao sucesso estrondoso da banda, que integrava desde 1983 - Martin deve pertencer a algum Illuminati de músicos imunes à hype, ao exemplo de Krist Novoselic, Izzy Stradlin e John Frusciante.

Após a sua "retirada" do Fenemê no final de 1993, o guitarrista ingressou numa carreira discográfica errática, sobretudo low profile (intencionalmente, imagino). Primeiro, integrou o supergrupo thrasher Voodoocult, em 1995. No ano seguinte, montou o power trio The Behemoth. Lançou apenas um single antes de descobrir que esse nome já pertencia ao grupo polonês de black metal. Se trancou no estúdio e, em 1997, lançou este Milk and Blood, via Steamhammer.

Além da curiosidade em saber como o barbicha soava fora do Frankenstein sonoro que era o Faith No More, também era a oportunidade de identificar mais nitidamente suas digitais no som de seu ex-grupo. Heavy metal rasgado? Com certeza. Uma breve olhadinha nos créditos do The Real Thing basta pra ver que Martin contribuía a conta-gotas no processo de composição, mas a única música de sua autoria exclusiva era pra lá de sintomática: o thrash Surprise! You're Dead!. Isso, fora as co-participações em Zombie Eaters e Woodpecker from Mars, porradas de trincar o crânio que contrabalanceavam perfeitamente a cervical funk melody do disco.

Com esse background, surpreende que no DNA musical de Martin também brotem grooves em profusão. O álbum traz dez músicas próprias e dois covers. A faixa de abertura, Disco Dust, tem palhetadas rápidas sobre um ritmo cadenciado e os backings escarrados do ilustre convidado James Hetfield (o que acabou lembrando o White Zombie do álbum La Sexorcisto: Devil Music, Vol. 1). Na sequência, Fear e Dead seguem a mesma trilha de metal ritmado, por vezes se aproximando do pós-hardcore nova-iorquino, estilo Prong. Investindo em atmosferas mais esparsas e harmônicas, a faixa seguinte, Loser, é a quebra de clima. Guitarra melódica viajandona com levada remetendo às indie bands dos anos 80 (!). Cliff Burton, com quem Martin montou uma banda nos tempos de escola, certamente iria curtir.

A quase punk Barsoap Hair traz as guitarras de volta ao topo dos amps. É outra com backings do Hetfield. Em seguida, Mexican Sangwich, que parece material de (fita) demo. Ou sobra de garagem. O que for mais lisonjeiro, já que não é exatamente uma música ruim, tampouco sensacional. Já Navigator, cover eletrizante do The Pogues, é um cowpunk que também seria uma ótima ideia de cover pro Matanza. Clima festeiro total.

A seguir, Around the Sun, com seus 8 minutos, retorna ao clima relaxadão-riponga de Loser, só que num patamar muito mais melódico e progressivo. Bebe garrafadas da fonte do Pink Floyd de Roger Waters (na longa introdução e no andamento) e de Lennon/McCartney (no refrão). Som intrigante, com uma vibração meio mântrica/mística inesperada vinda dele.

Com levada à Caffeine, do FNM, Special Tea chega chutando toda a introspecção pro espaço. O clima pesa de vez com Fatso's World, um death metal lento e cavernoso com os vocais guturais de Jason Newsted (outro convidado metallico), e com uma regravação genérica de Surprise! You're Dead!. O álbum fecha com o "country apache" instrumental Hunter Shepard, sequência natural do som The Grade (faixa-bônus incluída no CD Live at the Brixton Academy, do Fenemê).

O máximo que se pode falar da cozinha escalada por Big Jim é que é competente. O batera Joe Cabral tem um naipe apenas modesto de tempos e não trabalha muito o kit, mas acaba se destacando frente ao baixista Brent Weeks, que se limita a acompanhar as linhas de Jim. Ambos levam uma borrachada de Mike Bordin e Billy Gould.

A engenharia e produção, a cargo do próprio Martin, até que surpreende e consegue reeditar a timbragem que sua guitarra sempre teve no FNM. Mas sai no prejú em relação ao Matt Wallace (produtor dos discos de maior sucesso do Fenemê), já que: 1º. não tem a malícia de um produtor de carreira; 2º. colocou o volume da bateria meia-boca acima do resto; 3º. não conseguiu dar uniformidade ao conjunto variado de ritmos, resultando naquilo que o Fenemê nunca foi em disco algum: irregular.

Descontando que praticamente todo debut solo é irregular e o fato de Big Jim mandar umas vocalizações bacanas (mesmo soterradas na produção), com urros neanderthais, falsetes, trechos quase falados e uns uivos coyotescos à Brujeria, até que sua performance individual é bastante divertida. Das letras, não posso opinar nada. Quando o vocal não está dobrado ou em último plano, está cheio de reverber. E nem achei no Google também - com exceção da Navigator (hino pra marinheiro zoar igual viking bebum em terra firme) e da Surprise! (discurso sádico para tosquiar vítimas no filme O Albergue).

É um CD que eu compraria (e ouviria muito ocasionalmente), caso um dia ganhasse edição nacional. Duvido que aconteça, assim como duvido que seja redescoberto em alguma onda revisionista B. O que, sinceramente, deve ser a última coisa que Jim Martin iria querer hoje. O cara raspou a pelagem sasquatch, saiu fora da festejada reunião FNMística e virou cultivador de abóboras gigantes. E é o 38º no ranking mundial!

Eat those, Syd Barrett.

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