quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

"Você viu o nascer do sol esta manhã?"


Com essas palavras, levei minha primeira porrada com uma série de tevê. E, quem diria, foi num episódio de Magnum.

Pra situar: na primeira metade dos anos 1980, os seriados americanos – chamados carinhosamente de "enlatados" – eram uma alternativa salvadora ao bandejão de novelas e filmes das décadas de 1950/60/70 reprisados ad nauseum. Em sua maioria, elas tinham uma pegada bem-humorada, sem grafismos ou nada parecido, mas ao menos eram relativamente atuais. E estamos falando de um gap de 1 ano entre o lançamento nos EUA e aqui. O que era inacreditável para aquela época. E inacreditável para esta.

Então, tinhamos lá a nossa cota de Carro Comando, CHiPs, A Super Máquina, Esquadrão Classe A, Duro na Queda, etc... E Magnum. Em comum, todas protagonizadas por heróis no sentido mais clássico da palavra. O Magnum de Tom Selleck era o exemplar perfeito. Detetive particular, festeiro, malandro, mulherengo, um bon vivant com sua coleção de camisas havaianas estoura-retina e eventuais arranhadinhas na quarta parede. Mas também dono de uma extensa ficha militar com seus anos servindo nos Navy SEALs. O cara era durão, mas sem perder a ternura.

Em suma, um genuíno all-american hero, com um inabalável código ético e moral como só os marketeiros yankees sabiam vender. E eles sabiam. Ah, sabiam.

Apesar da linha de trabalho, Thomas Sullivan Magnum III era a quintessência do sujeito boa praça que não media esforços para ajudar um amigo. E que jamais, jamais, daria o primeiro tiro. Aliás, isso era o versículo 0 da Bíblia dos enlatados: leve a justiça, não a execute.

E assim, Magnum seguiu +/- familiar até o episódio duplo que abre a 3ª temporada, "Did You See the Sunrise?". Escrita por Donald P. Bellisario, produtor e co-criador da série, a história traz Magnum e seu velho amigo T.C. (Roger E. Mosley) às voltas com o ardiloso Ivan (o ótimo Bo Svenson), um coronel soviético que fez a dupla comer o pão que o diabo amassou durante a Guerra do Vietnã. Ao final de uma turbulenta trama ao melhor estilo The Manchurian Candidate, Magnum parecia pronto para conduzir Ivan até a mão firme da justiça.

Ou assim pensava aquele molequinho em frente à TV.


Uma cena excepcional até hoje.

Não que Ivan não merecesse – fora tudo o que aprontou, ele ainda foi o responsável pela morte brutal do simpático Mac (Jeff MacKay), que estava na série desde o início. Mas lembro vividamente como foi caótico processar isso que foi uma subversão de tudo que era feito no segmento até então. Era como o primeiro tiro de uma guerra.

E o famoso tema da série, quebrando a crueza da conclusão com seu clima upbeat ensolarado, dava o toque surreal...

Hoje, anos depois de Jack Bauer normatizar esse tipo de coisa umas 35 vezes/episódio, soa até trivial, a despeito do Selleck no modo sangue-nos-olhos. Mortes causadas por um herói a sangue frio-subzero simplesmente não existiam nesse formato. Não ainda. Miami Vice só estrearia dois anos depois. O Homem da Máfia, cinco. E nenhum destes tinha um good guy.

O episódio ganhou uma espécie de cult following ao longo dos anos. Bellisario ainda se diverte ao comentar o impacto da cena.

Magnum podia ser uma das séries mais assistidas, mas não das mais comentadas. Naquela semana, tudo mudou. Pra sempre.

7 comentários:

VAM! disse...

Aloha, Doogma!

Companheiro, dessa série me ficou marcado apenas a trilha sonora, permeado alguns flashes fora de ordem. Desse episódio me lembro muito menos, acho que nem assisti para falar a verdade.

Mas curiosamente nunca deixarei de lembrar do comercial do 'Denorex - Parece mais não é" acho que foi o pioneiro (que eu me lembre é claro) comercial nacional com uma estrela internacional do momento. E é claro, sátira de Os Trapalhões - "Jagdum" lembra dessa? Acho que se chamava assim, falo de memória curta mesmo, sem roubar no Google.


Apoapo,
VAM!

doggma disse...

Fala, VAM!, seu haole! (lembra do filme "Surf no Havaí"?)

Tenho boas memórias do seriado, já que quase sempre assistia com meus irmãos. Mas esses dias, revi umas reprises na Rede Brasil e lembrei desse ep. Ou melhor, da porrada que levei com esse ep. na época.

Comerciais com estrelas que lembro são aquele da Hollywood com o David Coverdale (cantor do Whitesnake) cantando em "portuglês" com o Roupa Nova no instrumental. E, claro, aquele icônico da Pepsi com a Tina Turner fazendo um dueto com o Evandro Mesquita (!).

Aloha! (também serve pra "tchau", rs)

lmm2 disse...

Tenho certeza que que nunca vi esse episódio, porque lembraria para sempre. Teria dado um nó na minha cuca ver o boa praça Selleck fazer isso na época.

doggma disse...

Exatamente isso que marcou tanto, lmm2. Selleck era um dos símbolos do "american way", mas no momento em que ele se vira com o olhar sobrecarregado de ódio ficou evidente que a linha estava prestes a ser cruzada. Aquele tiro em direção à tela acertou também o espectador.

Puta final!

Valdemar Morais disse...

Incrível, Doggma. Baita cena. Nasci em 1987 e não cheguei a ver a série original. Graças a você, eu tenho a chance de viver uma nesguinha do que foi a experiência. Você já chegou a ver a nova versão com o Jay Hernandez? O que diz dela?

doggma disse...

E aí, Valdemar! Essa ainda não assisti. E vi que até teve crossover com a nova Hawaii 5-0 (que é legalzinha). Uma hora dou uma conferida - já adiantando que Magnum é Tom Selleck e acabou.

Abração!

Anônimo disse...

Ridícula. Parece que existe um trabalho para destruir tudo o que havia de bom no passado.