sábado, 13 de novembro de 2010

The drummer that should not be

Post quase no vácuo do anúncio do Metallica no Rock in Rio 4, a rolar, veja só, no Rio de Janeiro, em algum ponto entre setembro e outubro de 2011 (os "últimos" lotes de ingresso e as taxas de [in]conveniência estão, neste momento, sendo forjados no fogo do inferno); e ainda sob o tremendo risco de invocar o relato orgástico de algum afortunado que esteve no show de 1989, "o único que prestou" (não, eu não fui... e, sim, já me contaram 666 vezes o quão foda foi).


Houve um tempo em que eu achava Lars Ulrich o maior baterista do mundo. Foi um reinado duradouro. Desde que comecei a ouvir heavy metal até finalmente admitir que uma criatura lovecraftiana de nome Neil Peart era soberana nessa arte. Mas nesse ínterim, não tinha pra ninguém. Incensados como Dave Lombardo, Tom Hunting, Nick Menza, Ventor, Away e outros podiam baquetar à vontade, que pouco ou nada me diziam. Santa insolência. Hoje é fácil perceber que gostava mais do nanico dinamarquês porque foi o primeiro baterista thrash que aprendi a reconhecer de ouvido. E um dos primeiros bateristas que me chamaram atenção, atrás apenas de Ian Paice e Mitch Mitchell.

De fato, Lars era dono de uma técnica simples, sem grandes firulas percussivas, mas cuja interação quase simbiótica com a guitarra base encontrava raríssimos paralelos no estilo. De quebra, suas performances irretocáveis nos clássicos Ride The Lightning e Master Of Puppets me davam pleno conhecimento de causa numa época em que eu não tinha nenhum. A cereja do bolo foi sua atuação no ...And Justice For All. Genial e até hoje subestimada. Como deveria ser.

Isso tudo acaba soando particularmente nostálgico pra mim, que fui acostumado com o Lars hors concours em listas de melhores do ano e clinicado em livros especializados. O fato de devorar bootlegs desde a época do vinil até os downloads do LiveMetallica.com só serviu pra documentar o dramático da situação: a cada ano que passava, Lars perdia mais e mais do seu mojo. Até que num belo dia, ele desaprendeu de vez. Talvez por deixar de praticar, talvez por perda gradual do interesse, provavelmente pelos dois.


É duro ver que Lars, hoje, apenas enrola na função. A cada Creeping Death executada displicente e tropegamente, me vem à memória os trechos do Some Kind of Monster onde ele revela seu lado de empresário e colecionador de arte, além das idas e vindas ao comitê do senado americano para regulamentar o copyright da música digital. Atividades extra-musicais que acabaram monopolizando seu tempo - além de não terem absolutamente nada a ver com rock and roll.

Jason Newsted, bom de baixo e de papo, elucidou um pouco mais dessa queda de produtividade do baterista, em entrevista à Rock Brigade (edição #190, maio/2002):


RB - Quando o Metallica esteve pela primeira vez no Brasil, todo mundo se surpreendeu com a postura agressiva da banda, em especial com a performance agressiva de Lars. Hoje, passados tantos anos, ele surpreende de novo: pelo que vemos em vídeos e na TV, ele parece uma menina.
JASON NEWSTED - Parece o quê???

RB - Uma menina.
JASON - [gargalhadas].

RB - Você não acha que esse tipo de coisa choca os fãs, especialmente os fãs de heavy metal?
JASON - Sim. Eu não sei nada sobre parecer uma menina, mas ele mudou muito radicalmente seu estilo e, o principal, não investe mais tanto tempo no seu instrumento, isso é evidente. Ele se tornou um homem de negócios, ele é o representante do Metallica, e isso faz com que ele não tenha mais tempo para tocar bateria. Quando a banda se tornou mais popular, ele optou por se tornar o "manager interno" do Metallica, o que reduziu muito o seu tempo para a música. Eu não estou dizendo que ele tenha perdido seu grande talento, mas eu tenho que dizer que ainda adoro Ride The Lightning por causa da bateria. Lá não tem computadores nem artifícios ou remendos de estúdio, o que foi tocado é o que você ouve no disco. Só que ele se tornou um sujeito muito ocupado e isso acabou afetando muito seu desempenho.

(entrevista conduzida por Fernando Souza Filho)




E como tudo que é ruim pode piorar, um vislumbre de como o Metallica soaria com um baterista "em dia" aconteceu no Download Festival de 2004. Com Lars doente, a bateria ficou a cargo de Dave Lombardo e Joey Jordison, do Slipknot. Desnecessário dizer que os dois, com um tempo ridículo de ensaio, deram ao Metallica seu momento mais vibrante dos últimos quinze anos. Erros, o set teve aos montes, mas o que contou foi a intensidade.

Pela primeira vez em muito tempo, o Metallica não executava seus clássicos de maneira burocrática, cansada. Pelo contrário, parecia que era a primeira vez que eles eram apresentados e que a banda ainda tentava desesperadamente se provar para o público. Até mesmo o técnico de bateria Flemming Larsen, que assumiu as baquetas em Fade To Black, fez bonito.

Kerry King relembrou esse momento histórico em entrevista à RB (edição #242, setembro/2006).


RB - (...) O Slayer e o Metallica tocaram juntos numa das datas da turnê de St. Anger e Dave Lombardo chegou a tocar bateria no lugar de Lars Ulrich em algumas músicas. O que você achou daquilo?
KERRY KING - Achei demais!!! E você tinha que ver o sorriso no rosto dos caras do Metallica. O Dave tocou as músicas como nos discos, ou seja, elas ficaram muito mais rápidas. Ele não é o tipo de músico que fica o tempo todo fazendo pose para a plateia, sua única preocupação é apenas subir ao palco para destruir a bateria. E os caras não conseguiam disfarçar a satisfação, pois tudo se encaixava, tudo estava no tempo e tudo estava rápido.

RB - Eu não vi o show, mas tenho um CD com ele gravado. Realmente, parece ter sido uma performance excepcional.
KING - Eu assisti ao show inteiro do palco. Além do Dave, o Joey [Jordison] fez algumas músicas também. Ele destruiu, pois é outro baterista fenomenal.

RB - Sem querer bater no Lars, mas ele nem se compara ao Dave ou ao Joey...
KING - É você quem está dizendo... [risos]

(entrevista concedida a Chris Alo; tradução por Ricardo Franzin)



No final das contas, tudo isso acaba sendo tão melancólico quanto relembrar as bandas sensacionais que você descobria na adolescência ou constatar com o tempo a inevitabilidade de certas coisas.


Mas que aquele baixinho sem grana, obcecado por Diamond Head e a New Wave of British Heavy Metal e que era um completo insano atrás de um kit de bateria faz falta... ah, isso faz...

5 comentários:

Anônimo disse...

ótimo post, toca no ponto certo do problema do metallica.
abçs

Rodrigo Barata disse...

Se o problema fosse só o Lars... acho que o Kirk ainda está muito pior que ele, os solos estão terríveis, preguiçosos, mas acho que é "normal" isso, pensa tocar as mesmas musicas por 25-30 anos? show do Slayer tbem está terrível, hanneman sempre errando tudo e o araya sem voz nenhuma.

doggma disse...

É o que eu acho também, Rodrigo. Tanto que só abordei o que tange à batera. O James é outro que virou o cabo da boa esperança e merece um capítulo à parte.

Mas a situação instrumental do Slayer é bem menos precária, não acha não? E eles ainda têm o Lombardo, que nivela tudo por cima (o que é inversamente proporcional ao Metallica, haha).

Genison Kobe disse...

Concordo com tudo o que foi dito mas vamos ser sinceros: ELES ESTÃO VELHOS. 30 anos pesam no que diz respeito ao instrumentista, principalmente "bateras". Até Neil Peart (que pra mim é "o cara" e ponto final), já não é mais o mesmo de "Fly By Night". Acho que é um curso normal de quem está incessantemente nesta estrada, fazenda shows quase todos os dias...

doggma disse...

Isso é verdade, G. Kobe. Charlie Watts é o futuro de todo baterista.