quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Na Weyland-Yutani ninguém pode te ouvir gritar


Alien: Romulus é o melhor filme da série em 40 anos. Parece muito, mas não é tanto. E ainda por cima, relativo. Confira comigo no replay®:

Alien, o 8º Passageiro (1979) é um clássico do suspense/terror/ficção científica com Ridley Scott curtido no cinemão americano dos anos 1970. Aliens, o Resgate (1986) é James Cameron exercitando o melhor "bigger, stronger, faster" do mainstream hollywoodiano. Alien³ (1992), com um estreante David Fincher perdido numa produção caótica, é uma naba irredimível e, hm, irresgatável – o Assembly Cut de 2003 só expande o estrago. Alien: A Ressurreição (1997) é Jean-Pierre Jeunet: satírico, delirante, perturbador e não se leva a sério. O caça-níqueis Alien vs. Predator (2004), de Paul W. Anderson, foi uma tentativa de revitalização de duas marcas, bem como Aliens vs. Predator: Requiem (2007), dos irmãos Greg e Colin Strause. Ridley Scott à casa retorna no ambicioso Prometheus (2012) e no evasivo e fugaz Alien: Covenant (2017). Ufa.

Foram muitas transfusões de sangue ácido. Isso, porém, não afetou a força da franquia na cultura pop. Especialmente nas HQs e no multimiliardário mundo dos games.

O diretor uruguaio Fede Álvarez sabe disso e joga pra galera. Sagaz, ele seguiu a mesma diretriz que adotou em sua contribuição na franquia Evil Dead: o cânone é sagrado. Tanto a direção quanto o roteiro, co-escrito com o conterrâneo e parceiro de longa data Rodo Sayagues, dispensa invencionices e reviravoltas, optando por extrapolações em cima das regras do jogo. Seja na narrativa ou nos conceitos, Romulus é intimamente ligado aos filmes anteriores – mesmo o 4º, A Ressurreição, que se passa ainda mais no futuro. Não que o filme seja apenas para iniciados no universo do Alien, pelo contrário. É totalmente acessível. Mas é que flui delícia quando você tem aquela bagagem.

Aliás, pelo que pesquei por aí, o filme também tem relações com o game Alien: Isolation, protagonizado pela filha da Ripley, Amanda. E que ainda hei de jogar, com a benção de São Bishop.


Se Álvarez foi minucioso em sua pesquisa, em certos momentos, todas essas referências acabam estourando na telona como um chestburster. O diretor não é sutil em seu fanservice e o que deveria ser uma piscadela cool para o fandom, acaba soando redundante e desnecessário. É um recurso para ser usado com moderação. Nada que embace a experiência, contudo. O uruguaio é dos bons. Sabe administrar personagens e montar cenários de tensão como poucos de sua geração.

Romulus se passa no ano 2142 de Nosso Senhor, ou seja, 20 anos após os eventos de Alien e 37 anos antes de Aliens, o Resgate. Logo na abertura, vemos o que sobrou da nave-cargueiro USCSS Nostromo e aí, confesso, senti aquela baforada criogênica na espinha. Afinal, ali jaz um obelisco do fatídico destino dos tripulantes do filme original.

A história é protagonizada por Rain, uma jovem que tenta sobreviver em uma colônia de mineração de propriedade, adivinha, da megacorporação Weyland-Yutani. O ambiente é inóspito e repleto de doenças relacionadas à carga absurda de trabalho. Tudo é piorado por um sistema burocrático criado para impossibilitar a evasão de trabalhadores, remetendo à odiosa e muito real escravidão por dívida – coisa que só um latino se daria ao trabalho de transpor para um blockbuster. Órfã e acompanhada apenas de Andy, seu "irmão adotivo", Rain sonha em se mudar para uma colônia com um mínimo de qualidade de vida, onde se pode ver um sol e não precisa respirar pó de minério até solidificar a alma.

A oportunidade surge quando seu ex-namorado Tyler, ao lado da irmã Kay, do primo Bjorn e sua namorada Navarro, descobrem uma espaçonave da companhia à deriva e em rota de colisão com os anéis que circundam o planeta. A ideia é alcançar sua órbita antes do choque e catar as suas câmaras de crioestase – o único modo de burlar os 9 anos necessários para chegar até a colônia independente Yvaga ("céu" ou "paraíso" em guarani!). Chegando lá, descobrimos que o lugar passou por um inferno de Aliens e Facehuggers. E ainda não saiu dele.

Uma coisa que Alien e Aliens, o Resgate (e, neste mérito, O Predador também) legaram aos jovens cineastas é o valor de um coadjuvante. Mesmo com o espectador antecipando quem iria pro saco já nos primeiros minutos de filme, o carisma do personagem era tão grande que batia aquela dorzinha no coração quando o mesmo virava presunto. É uma arte que se perdeu com o tempo, infelizmente. Em Romulus não é diferente, embora tenha boas atuações e motivações do pequeno núcleo principal.


A ótima Cailee Spaeny, que tem feito um 2024 impecável, honra a camisa e o underwear das heroínas da série. E o britânico David Jonsson brilha no papel de Andy com duas composições assustadoramente diferentes. O modo como o roteiro usa a sua natureza como um mecanismo para o desastre é nada menos que espetacular.

O filme também é bastante engenhoso em criar situações com deadline curta/sendo encurtada e literalmente mordendo os calcanhares. São momentos de quebrar o encosto da cadeira. A dinâmica das cenas em gravidade zero é sensacional. Como se não bastasse, Romulus traz as maiores sequências de ação Facehugger da série. Os sirizinhos transudos finalmente dominaram os holofotes e nunca foram tão esforçados em tela. Francos candidatos ao próximo Oscar.

Já na parte das extrapolações em cima do cânone, a coisa fica ainda mais interessante e, por que não, controversa.


☣️ ☣️ ☣️ SPOILERS ☣️ ☣️ ☣️

Rolou uma celeuma online por causa do uso da imagem gerada por IA do saudoso Ian Holm como o andróide Rook. Sou totalmente a favor dos atores em relação ao uso indiscriminado de IA, porém o caso foi de inserção digital póstuma. E numa referência óbvia a um dos personagens mais icônicos de sua brilhante carreira, o psicopático robô Ash, do 1º filme. Essa passa, junto com o Peter Cushing/Moff Tarkin virtual de Rogue One. São homenagens, pô.

A substância negra extraída pela Weyland-Yutani de um casulo Alien nos destroços da Nostromo remete à arma biológica criada pelos Engenheiros em Prometheus/Covenant. O que talvez explique a semelhança facial do The Offspring (o grotesco híbrido humano-xenomorfo) com os gigantes albinos. Gah!

Um dos efeitos negativos da volta dessa substância é o fato dos Facehuggers agora serem escuros, sendo que a cor de pele humana meio amarelada que eles sempre tiveram era muito mais aflitiva. Inclusive, em determinadas cenas, os Aliens ficam parecendo o Venom.

E o mais grave: a fascinante cenografia biomecânica criada pelo gênio H. R. Giger deu lugar a um reboco de piche disforme e genérico. Blasfêmia.

Casulo Alien pós-troca de pele. Boa adição ao mythos! E rendeu a nervosa e nojentíssima cena da colonoscopia elétrica que culminou na morte de Bjorn.

Na saída do cinema, pensei: Aliens respeitando um trabuco não faz sentido. Mas lembrei que provavelmente foi o que eles enfrentaram quando tomaram a estação. Os ETs cabeçudos não são burros.


☣️ FIM DOS SPOILERS ☣️


Mesmo em suas poucas deficiências, Alien: Romulus incita bons papos de boteco – só para, no final, chegar à conclusão que valeu muito o preço (salgado) do ingresso. Sem contar que os efeitos são de cair o queixo. É um filmão que merece ser visto numa telona.

Foi maravilhoso e inesperado esse reencontro com a franquia em grande forma. E mais ainda a vontade de conferir o filme no cinema de novo. Fazia um tempinho que não rolava...

5 comentários:

Luwig Sá disse...

Acho que ver um Alien bom só foi surpresa pra quem não assistiu aos filmes anteriores do Fede Álvarez. Fui tranquilo pro cinema, sem sequer ter visto nenhum trailer. Confesso que meu único temor era que a Rain da Cailee fosse a Amanda, porque aí a coisa iria p/o terreno das coincidências teledramatúrgicas da Globo. Como não foi, foi supimpa. Aliás, se tem algo bom até nos filmes ruins é a instância dos sintéticos*. Caramba... O Andy foi pras cabeças da franquia. E a coisa que mais me chamou a atenção foi o ritmo cameroniano, de garrote fechando, com uma coisa sempre levando a outra. Incrível ainda estar vivo pra ver algo assim - pelo menos na minha opinião - com zero gordura. Até a presença do Ash dá a volta e acalma meu ranço por atuação via I.A.; o que por si só parece uma justiça poética, dada a natureza do papel do saudoso Ian Holm. Enfim... Posso viver muito bem com o fato de que Romulus virou o Rogue One de Alien. Abração.
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(*) E isso sou capaz até de considerar o casal lá de Raised By Wolves.

rock4you disse...

Cara sinceramente não curti, e achei bem mediano. Não gosto de ler criticas mas ao scrollar o cel ví titulos como " O Alien mais Gore", "Uma novo sopro para franquia " etc.....fui assistir com a expectativa super alta, em troca tive um robô que segura elevador (que cena horrenda) outro personagem que chove acido e ele fica abaixo de boas kkkkk fora que o filme começa mesmo do meio para o final.Estou veio para aguardar algo acontecer e essa formula vista em milhares de filmes, faltou personagens carismáticos, mais personagens para serem d1lacerados, mais mortes grandiosas etc e e tc. Não é de todo ruim mas esperava muito mais.....

doggma disse...

Luwig, esse ritmo de garrote fechando (adorei) foi muito bem escrito/executado. E faz pensar: para acontecer uma disseminação de Xenomorfos, entre falhas de segurança e o complexo ciclo reprodutivo dos bichos, é preciso uma comédia de erros. A cereja é que ninguém sobrevive pra contar história e ensinar as regras para o próximo grupo de incautos que topar com esse abacaxi.

A única coisa que concordo nas reclamações sobre o "Holm" é que a IA ainda precisa de uns bons anos pra ser convincente. Ainda tá esquisito. Mas as cenas dele no monitor, em perspectiva 2D, ficaram ótimas.

David Jonsson, pra mim, roubou a cena. E a Cailee tem uma inteligência dramática que te faz engajar na história com uma facilidade incrível. Eles se complementaram perfeitamente. Química espetacular.

Agora... também teria sido interessante (e hilário) se a Rain fosse interpretada pela Amber Midthunder, rs. Já pensou, os Incelzinhos estourando a calcinha por ela ter as cabeças de um Predador e de um Alien em sua coleção de troféus?

Abração!

Ps: saudades da Mother. :/

Pps: aquela trinca de minis do Brian Wood (Defiance, Resistance e Rescue), é com a Amanda e são fodonas, hein...

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Fala, rock4you!

Pois é, coisas como "O Alien mais Gore" e "Um novo sopro" são pleonasmos em se tratando da série, hehe. Mesmo Alien 3 têm conceitos e premissas interessantes.

Sobre a fórmula, fico de boa. Quero a minha dose anual dela. O mesmo sobre prequels que preenchem alguma lacuna ou esclarecem algum mistério, tipo o Space Jockey explicado em Prometheus.

Nesse ponto, discordo veementemente do (divertido) podcast do Aran com o Sadovski e o Salem quando desmerecem as expansões de Prometheus. Eu quero saber tudo! Tudo!! :P

Essa dos coadjuvantes carismáticos achei que ficou faltando mesmo, embora os atores sejam competentes. Isso pra mim é um demérito geral, não exclusivo do filme. Nos anos 80 os caras faziam isso melhor, sem dúvida.

R.I.P. Blaine!

Abraços na Face!

Paulo Bala disse...

Vi ontem. Excelente resenha, como sempre. Não precisava do fan service. O Inclusão de Ash foi vergonhosa e sem propósito algum, além de tirar de comprometer a nota 10 dos efeitos visuais (práticos e CGI) de primeiríssima categoria. God bless you.

doggma disse...

Valeu, Paulo!

Reassistindo em casa, sem o poderio sensorial da telona, o fanservice ficou ainda mais escancarado. Ash 2.0 incluso, embora nas cenas com ele mostrado só no monitor tenham ficado bem boas.

E parece que já estão escrevendo um "Romulus 2", com a mesma equipe.

Abração.