Odeio me flagrar tendo uma atitude idealista de araque. Dá pra sentir até aquela boina com uma estrelinha vermelha enfiada na cabeça. O próprio Che de final de semana. Só que às vezes não consigo me render ao capitalismo selvagem e simplesmente viro as costas (ainda que esteja devorando um Big Mac® com Coca-Cola®). É justamente como eu me senti quanto à infame versão lusa do Rock In Rio, um desserviço à preservação do amor à pátria amada, devidamente coroada pelo nosso ministro da Cultura - que também tocou lá. Eu já conhecia muito bem a mania do Roberto Medina de vender a alma ao diabo pela enésima vez, afinal, como se explicaria Sandy & Junior, Britney Spears e atrocidades afins na 3ª edição do festival...? Mas pior que isso foi ver o Medina vender a alma aos portugueses. Rock in RIO em... LISBOA?! Prestigiar um festival nosso feito em outro país?! Tô fora. E outra: quem no mundo tem interesse em conhecer uma banda chamada "Xutos & Pontapés"? Fala sério, seu Joaquim. Isso foi demais pra minha pobre cabecinha headbanger e, revoltado, pensei em me alistar no exército Zapatista ou então nas FARC.
A ficha demorou bastante pra cair dessa vez. Quando assisti um pedaço do show do Evanescence que passou na Rede Globo, fiquei impressionado e logo quis estar do "lado direito" do Atlântico. Eu já vi vários shows deles, mas este foi especial. As dimensões do local eram muito desproporcionais à proposta da banda, que funciona bem melhor em um lugar pequeno, como um ginásio ou mesmo um pub. Na vastidão daquela arena, o som se desvanescia (consegui, hohoho), principalmente pra quem estava lá atrás.
Mesmo assim, com o auxílio de alguns playbacks, o Evanescence revelou uma front-woman que é um verdadeiro paradoxo: do "alto" de seus 1,63m de altura, Amy Lee mandou ver numa performance arrebatadora, que de quixotesca não teve nada. Ela venceu aquele jogo praticamente sozinha. Cantou, correu, agitou, se esgoelou, tocou soberbamente um piano de cauda e ainda arrumou tempo para exibir uma sensualidade estonteante. E que olhos, meu Deus... (será que eles brilham no escuro?)
Já o restante da banda era só... restante. Nem dava pra notar a presença de alguém ali. Parecem aquelas orquestras que ficam escondidas embaixo do palco.
No final, suspirei profundamente, deitei no sofá e assisti à reprise do Gilberto Gil. Causa? Que causa? Anarquistas, graças a Deus.
MÚSICA P/ DESABAMENTOS
Deuses do Rock sessentista como Jimi Hendrix, Cream e Blue Cheer, entre outros, já encerraram as atividades há muito tempo, mas o seu legado ecoa até hoje. E as bandas do chamado Stoner Rock, estão aí pra confirmar. A primeira referência para esse estilo são as bandas citadas aí em cima que, aliás, inseriram o conceito do power-trio no rock - baixo/guitarra/bateria a serviço de um som sujão, ultra-distorcido e "viajante" (ou stoned, gíria pra chapado e origem do neologismo "stoner"). Lisergia total. Mas a inspiração do stoner não parou por aí e ainda abraçou o que os anos 70 tiveram a oferecer - e como...! Bandas emblemáticas do rock setentista, como Led Zeppelin, Deep Purple, Motörhead, Thin Lizzy, Jethro Tull, Free, Mountain, AC/DC e, principalmente, Black Sabbath forneceram a matéria prima para o estilo.
Os Cavaleiros do Sabá Negro. Quem diria que Ozzy faria um reality show...
Mas quem pensa que esse revival começou com o grande Queens Of The Stone Age, calma lá. A coisa toda começou lá atrás, no início dos anos 90, com o pessoal de Seattle ou, mais precisamente, com o famigerado grunge. Muitas das bandas que estouraram naquele movimento já tinham muitos anos de estrada e, não raro, vários discos lançados. Soundgarden, Screaming Trees, The Melvins e mais uma batelada de grupos já eram putas velhíssimas, enquanto o Nirvana, Pearl Jam e Alice In Chains ainda estavam choramingando no berçário.
É só ligar a Harley Davidson e pegar a Rota 66
Dessas todas, a que mais se aproximava do que viria a ser o stoner rock era o Soundgarden (banda do Chris Cornell, atual Audioslave). Essa banda alcançou o sucesso um pouco mais tarde que seus conterrâneos de Seattle. Mainstream pra eles, só em 94, com o multi-platinado Superunknown. Mas, na minha opinião, o verdadeiro Soundgarden está no disco anterior, Badmotorfinger, de 1991, esse sim, uma paulada tipicamente stoner. Ouça preciosidades como Outshined, Rust Cage ou Jesus Christ Pose no volume 10 e sinta o chão tremer como se um T.Rex estivesse se aproximando à mil por hora.
Mais influente que o monolito negro, do filme 2001
Um ano depois, em 92, mais um disco simplesmente memorável, Blues For The Red Sun, da banda californiana Kyuss (embrião do QOTSA e de boa parte da cena). Era Nick Oliveri (baixo), Josh Homme (guitarra), Brant Bjork (bateria) e John Garcia (vocais), todos por volta dos 16/17, na época. Pra se ter uma idéia das experimentações dos caras, a guitarra era plugada num amplificador de baixo, com a afinação mais grave possível. Parecia o ronco enfurecido de um V8. O efeito era digno de um terremoto, alterava até o batimento cardíaco. Mais outra moda stoner inaugurada pelos caras: festas regadas à muito álcool (e outros "aperitivos") em pleno deserto californiano, onde eles, com auxílio de geradores, tocavam por horas e horas sem parar. Kyuss era isso aí, pra ouvir em alto e bom som, de preferência, com os olhos fechados (o mundo seria perfeito se desse pra dirigir de olhos fechados).
O Kyuss acabou cedo, em 95, e os estilhaços formaram as galáxias e os planetas do universo stoner. Das bandas diretamente ligadas ao Kyuss, estão o Fu Manchu, Slo Burn, Unida, Che, Brant Bjork & The Operators e, agora sim, o Queens Of The Stone Age, que herdou Josh Homme e Nick Oliveri - aquele cara que ficou peladão no palco do Rock In Rio 3. O QOTSA é, de uma certa forma, uma versão mais polida do Kyuss, sem o lado lisérgico e experimental, mas mesmo assim, é uma puta banda (meu disco preferido dos caras é o Songs For The Deaf, o mais recente).
O bom e o mal. Ambos são feios.
Outro grupo digno de nota é o Monster Magnet, do malucão Dave Wyndorf. Hoje, a banda é meio como um artigo de luxo na cena stoner, transitando entre o industrial, uma certa nuance pop e o stoner. Pra quem quer conhecer o MM atual, recomendo o excelente disco Powertrip, de 98 e presença constante no seleto Top5 at your left. Já para conhecer a pré-história do MM, pode ir de Spine Of God e que a Força esteja com você. Esse disco, de 92 (o ano do stoner!), subverte a rifferama do Black Sabbath e é uma das wild trips mais singulares do rock. Tem até um solo de bateria no meio, ao melhor estilo In-A-Gadda-Da-Vida (do também seminal Iron Butterfly).
Nessa linha, vale à pena conhecer também o Orange Goblin, Spiritual Beggars, Nebula e Corrosion Of Conformity, que são ótimas bandas e mandam ver num som pauleiríssimo, e sem chance alguma de rolar nas FMs (isso é um elogio!).
Até algumas figuras da cena metal têm se rendido ao estilo, como Phil Anselmo (ex-Pantera), que formou o Down - que, embora não seja exatamente stoner, tem muitos elementos dele. O ex-Napalm Death Lee Dorrian também é uma referência na cena, visto que sua banda Cathedral, há muito tempo saiu do doom metal que praticava no começo, para um som bem mais "sabbático", obviamente mais próximo do stoner. Aliás, no álbum The Carnival Bizarre, a banda contou com ninguém menos que Tony Iommi, tocando guitarra na música Utopian Blaster. Reverência maior, impossível.
O onipresente Dave Grohl também embarcou de cabeça no estilo, já que seu projeto paralelo Probot é predominantemente stoner. Pra arrematar qualquer dúvida, é só lembrar dos convidados presentes no disco de estréia - gente do porte de Lemmy, Mike Dean (do Corrosion Of Conformity), Eric Wagner (do Trouble), Kurt Bretch (do D.R.I.), além do próprio Lee Dorrian, entre outros.
Firebird é retrô até na capa
Outro caso parecido é o do ex-Carcass Bill Steer, que formou o excelente Firebird. A banda segue à risca o esquema dos power-trios sessentistas, desde a formação propriamente dita (ele, Ludwig Witt, do Spiritual Beggars e Leo Smee, do Cathedral - timaço), até o visual, como visto nessa capa aí, do álbum Deluxe (o 2º, de 2001). O som é um primor de blues rock deliciosamente distorcido, mas com um certo apuro instrumental em relação aos demais. Aqui, o som é muito bem executado, lembrando por vezes os devaneios instrumentais do Deep Purple (em especial, do álbum Purplendicular). Conheci a banda através de um cover de Working Man, do Rush, que estava disponível nesse site. Pena que apagaram o arquivo (mas vale conferir a info que ficou). De qualquer forma, não se deixe abater e faça como este que vos escreve. Caçe essa banda no DC++, e-Mule, ou qualquer outro compartilhador desses, mas passe à quilômetros de distância dos KaZaAs da vida (lá só tem de Britney Spears pra baixo). Vale (muito) à pena, se você curtir esse estilo.
Em tempo: o Rush (banda-tia do stoner) adicionou a música Summertime Blues, de Eddie Cochran e imortalizada pelo Blue Cheer (banda-bisavó do stoner), no set-list do seu novo álbum, Feedback (só de covers). Clique aqui pra conferir um trecho (ficou bem mais pesada que a original, claro).
Além dos links que passei (os sublinhados não foram porque achei bonitinho não), é parada obrigatória também o Planeta Stoner, o melhor site dedicado ao estilo no Brasil. Essa matéria, da central rock Whiplash, também ficou muito boa, bem esclarecedora para iniciantes.
Outra coisa, o stoner sempre caminhou lado a lado (mas sem boiolagem) com o gothic e o já citado doom metal. À primeira ouvida, parece tudo a mesma coisa, mas para o ouvido treinado é quase uma blasfêmia proferir tal afirmação. Doom é pesadaço e arrastado, gothic é... gótico e depressivo e stoner é isso tudo, só que cheio de marijüana, e todos os três nem sonhariam em existir se não fosse o Black Sabbath. Pra saber diferenciá-los "profissionalmente", recomendo essa excelente matéria, onde Jorge Vitzac destrincha legal toda essa viagem lisérgica e incandescente. Pra visitar tomando uma cerva trincando de gelada.
Post ao som de Kyuss, Firebird, Helmet e Black Sabbath - e haja café!!
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